Com o aquecimento global, as plantas estão começando a sofrer uma espécie de dissonância cognitiva. Deixe eu explicar. Nas florestas temperadas, as plantas têm um ciclo de vida bem regrado. No fim do inverno e início da primavera, elas brotam e iniciam seu ciclo de crescimento e reprodução. Novas folhas surgem, galhos crescem, troncos se tornam mais grossos.
Logo em seguida, surgem as flores e sementes são produzidas. Com o início do outono as folhas se tornam amarelas, depois secam e caem. E a planta reduz seu metabolismo para enfrentar o inverno. No ano seguinte, esse ciclo se repete.
Este ciclo, chamado de ciclo fenológico, é regulado por dois fatores ambientais detectados pelas plantas. O primeiro é a duração do dia. No inverno, o dia é curto e vai se alongando durante a primavera até o solstício de verão, o dia mais longo do ano, que ocorre em 21 de junho no Hemisfério Norte.
A partir daí, o dia fica mais curto e, no solstício de inverno, 21 de dezembro, a planta vive o dia com menos luz do ano. A duração do dia é um dos fatores que determinam o ciclo fenológico. O outro é a temperatura. Ela é baixa no inverno, aumenta na primavera e verão e cai no outono.
As plantas regulam seus ciclos de vida levando em conta esses dois fatores: duração do dia e temperatura. O aquecimento global está deixando as plantas confusas e causando uma dissonância cognitiva, porque as temperaturas estão aumentando mais cedo na primavera, ficam mais altas no verão e demoram mais para baixar no outono. Essas mudanças, que ocorrem com a temperatura, não ocorrem na duração do período de luz percebido pelas plantas.
A duração do dia e da noite continua exatamente igual à medida que o aquecimento global ocorre, pois esse é um fenômeno que depende só da rotação da Terra. E esta é a razão para a dissonância cognitiva que afeta as plantas. Seus sensores de temperatura dizem que a primavera começou, mas a duração do dia ainda é curta.
É como se a planta se perguntasse: já está quente, deve ser a primavera, mas os dias estão curtos, será que ainda estamos no inverno? E o mesmo ocorre no outono, quando os dias ficam mais curtos mas a temperatura continua alta.
A consequência dessa confusão é que as árvores no Hemisfério Norte estão brotando duas semanas mais cedo do que costumavam brotar. Ecologistas se perguntam quais as consequências dessas mudanças sobre as plantas.
Agora, um estudo cuidadoso, onde satélites foram usados para medir ao longo de décadas exatamente a data em que as folhas verdes surgem na primavera e iniciam sua mudança de cor no outono, associados a medidas cuidadosas da temperatura a cada dia nos diversos locais do planeta, e a experimentos feitos em estufas (onde a duração do dia e a temperatura podem ser controladas) revelou o que está acontecendo nas florestas do Hemisfério Norte à medida que a temperatura aumenta sem que o padrão de iluminação se altere.
Os resultados mostram que em todas as florestas subtropicais do Hemisfério Norte o aumento da temperatura tem provocado um adiantamento no brotamento das árvores, que agora ocorrem mais cedo e com menos luz em 84% da área. Esse adiantamento foi medido e corresponde a 1,9 dias de adiantamento para cada grau Celsius de aumento da temperatura na área.
Ou seja, a primavera, medida como o momento em que os brotos aparecem, tem ocorrido mais cedo, como se as árvores estivessem se guiando nessa fase do ano mais pela temperatura do que pela duração do dia. Mas no outono ocorre o contrário, com o aumento da temperatura. As árvores estão iniciando o período de senescência e perda das folhas mais cedo.
Apesar da temperatura mais alta e dos dias ainda longos, à medida que a temperatura média aumenta as folhas morrem mais cedo, e esse adiantamento é de 2,6 dias por grau Celsius. Além de iniciar mais cedo, o processo de decadência das folhas se alonga, ocorrendo mais lentamente.
A razão para essa mudança é desconhecida, pois nessa fase a árvore ainda dispõe de luz e temperatura suficientes para continuar seu processo de fotossíntese. Os pesquisadores afirmam que as razões para esse comportamento ainda precisam ser investigadas.
A questão ainda em aberto é o quanto essas mudanças de comportamento afetam o crescimento anual das plantas. Intuitivamente, por iniciarem o crescimento mais cedo, as plantas deveriam fixar mais gás carbônico por meio da fotossíntese e, portanto, crescer mais. Mas como iniciam o processo de perda das folhas mais cedo, e ele é mais lento, é difícil calcular o resultado final.
Entender esse balanço é importante, pois se as árvores fixam mais carbono com o aumento da temperatura, podem contribuir para uma redução da velocidade do aquecimento global. Caso contrário, podem estar acelerando as mudanças climáticas ao reduzirem sua capacidade de fixação de gás carbônico.
O que esse estudo mostra, sem sombra de dúvida, é que o aquecimento global está forçando uma mudança no comportamento das plantas. Essa mudança vai afetar a produtividade das florestas em direção ainda desconhecida.
Também é desconhecido o efeito do aumento de temperatura na saúde e longevidade das florestas. Ou seja, estamos alterando o clima do planeta, provocando uma confusão no comportamento das florestas, e o resultado das mudanças ainda é desconhecido. Quanto mais aprendemos sobre os efeitos das mudanças climáticas, mais claro fica o quanto estamos dando um salto no escuro. E, portanto, o quanto desconhecemos os riscos que corremos.
Mais informações: Effect of climate warming on the timing of autumn leaf senescence reverses after the summer solstice. Science https://doi.org/10.1126/science.adf5098 2023
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