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Opinião | Como o cérebro humano conta objetos? Nova pesquisa oferece respostas

Alguns defendem a hipótese de que nosso cérebro possui dois mecanismos para contar objetos. Outros acreditam que temos somente um mecanismo, mas que ele fica mais lento e impreciso à medida que a quantidade de objetos a serem contados aumenta

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Foto do author Fernando Reinach

Eu não sabia, mas faz mais de um século que os cientistas tentam entender como nosso cérebro conta objetos. Eu e você contamos bananas, carros e pessoas todos os dias e nem pensamos nisso.

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Em 1871, um economista inglês chamado William Stanley Jevons, descobriu que quando nos defrontamos com até quatro objetos, nossa mente imediatamente sabe o número e nunca erra. Se tem três bananas em cima de uma mesa, e você olha para elas, sua mente nunca erra, não pensa que são duas ou são três, e o número aparece na sua consciência sem qualquer esforço. Agora, se a quantidade de bananas é maior (cinco ou mais), nosso cérebro leva mais tempo para descobrir o número e erra muitas vezes.

Nesses casos nós contamos as bananas olhando para elas, e mentalmente dizemos, uma, duas, três, quatro, cinco, seis e assim por diante até descobrirmos quantas bananas existem na mesa. E se nos mostrarem uma foto de uma mesa com muitas bananas por um curto intervalo de tempo, e nos pedirem para dizer quantas estão na foto, geralmente nosso palpite está errado. Já se a foto tiver até 4 bananas nunca erramos.

Essa descoberta foi confirmada em dezenas de experimentos e nunca foi contestada. O problema que aflige os cientistas é como explicar esse fato. Alguns defendem a hipótese de que nosso cérebro possui dois mecanismos para contar objetos, um usado para até quatro objetos e outro para números maiores. Outros acreditam que temos somente um mecanismo, mas que ele fica mais lento e impreciso à medida que a quantidade de objetos a serem contados aumenta.

Novo experimento com pessoas com epilepsia ajuda a mapear forma como o cérebro conta objetos Foto: Ernesto Rodrigues / Estadão

A novidade é que um experimento feito com pessoas com epilepsia resolveu essa questão. Pessoas que sofrem muitos episódios de epilepsia focal (quando o episódio se inicia em local específico do cérebro), podem ser tratadas através de um procedimento cirúrgico. Os médicos anestesiam a pessoa, abrem o crânio até ter acesso direto ao local do cérebro em que a epilepsia se origina. Em seguida retiram uma pequena área do cérebro que causa o ataque. Mas, antes de retirar a área, é importante saber quais as consequências dessa remoção para a pessoa, pois a remoção pode levar a pessoa a perder algum movimento ou alguma memória.

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Para investigar a função da área a ser removida, um número grande de eletrodos é colocado na área para monitorar a atividade dos neurônios. Feito isso a pessoa é retirada da anestesia, e com ela acordada, são feitos testes para ter certeza de que a remoção daquela área não vai causar o aparecimento de sequelas.

Entre os pacientes existem pessoas em que o foco da epilepsia está localizado no lobo temporal mediano, uma área que fica do lado da cabeça, um pouco acima da orelha. Entre outras funções, essa é uma das áreas que processa a informação vinda dos olhos.

Os cientistas convenceram 17 pacientes desse grupo a participar de um experimento durante o tempo que estavam acordados, no meio da cirurgia. Após terem os eletrodos implantados no cérebro e serem despertados, os cientistas mostravam, em uma tela de computador, imagens contendo um número variável de círculos. O número de círculos variava de zero a nove. A imagem era mostrada por meio segundo e os pacientes deveriam informar quantos círculos estavam observando.

O resultado confirmou o que já se sabia: os pacientes acertavam sempre quando havia de zero a quatro círculos. E executavam a tarefa rapidamente. Com um número maior de objetos eles demoravam mais e erravam para mais ou para menos. Até aqui nada de novo. Mas os cientistas estavam monitorando diretamente a atividade de um número enorme de neurônios de cada paciente cada vez que eles observavam a figura com círculos. Dessa maneira podiam saber o que estava acontecendo no cérebro em cada caso.

No total, os cientistas identificaram e estudaram 801 neurônios ativados quando a pessoa observava os círculos. Os cientistas mediram a atividade de cada um desses neurônios quando o paciente era estimulado com um número diferente de objetos. O que os cientistas descobriram é que existem neurônios que somente são ativados quando o paciente vê um objeto. Outros neurônios são ativados somente com dois objetos, outros com três objetos e outros com quatro objetos. A ativação desses neurônios é rápida e precisa (neurônios ativados pela visão de um objeto não são ativados quando a pessoa observa dois objetos).

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Por outro lado, quando a visão do paciente era estimulada por cinco ou mais objetos não existem neurônios específicos para esses números. O que existe são neurônios que respondem a um intervalo de objetos (de cinco a oito por exemplo). Esse resultado mostra que a maneira que o cérebro processa a informação visual de um número pequeno de objetos é diferente da maneira que ele responde a um número maior de objetos, indicando que os circuitos cerebrais usados pelo cérebro para identificar poucos objetos são diferentes do usado para identificar um número maior de objetos.

Esse resultado resolve a dúvida que pairava sobre a maneira como contamos objetos: temos dois sistemas de contagem no cérebro, um para números de zero a quatro e outro para números maiores. Agora fica a dúvida, será que um desses sistemas existe em todos os animais e o outro apareceu somente quando surgiu a necessidade de contarmos um número maior de objetos? Nesse contexto é bom lembrar que os Mundurucus, uma tribo indígenas da Amazônia (Fazendo contas sem usar números, O Estado de S. Paulo, 5/01/2005 página A10) possuem palavras específicas para nomear quantidades de um a cinco e uma única palavra para números maiores: a palavra muitos.

Mais informações: Distinct neuronal representation of small and large numbers in the human medial temporal lobe. Nature Human Behavior

*Fernando Reinach é biólogo

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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