No ensino médio ouvi de um professor que meu trabalho havia sido feito nas coxas. Me imaginei escrevendo sobre minha coxa, no carro, indo para a escola. A reprimenda demonstraria minha pressa e o total desprezo pela tarefa executada com capricho.
Anos depois me surpreendi quando minha mãe relatou que a filha de uma amiga teria engravidado sem perder a virgindade fazendo sexo “nas coxas”. Estava recomendando cautela numa época em que a virgindade feminina era um valor a ser preservado para a noite de núpcias. Foi assim que aprendi a origem da expressão fazer nas coxas. Desde então é com um sorriso interno que reclamo dizendo que uma tarefa foi feita nas coxas.
Essas lembranças foram despertadas pela descoberta de uma espécie de morcego (Eptesicus serotinus) em que a relação sexual ocorre sem que haja a penetração do pênis na vagina. É o único caso conhecido entre mamíferos. Via de regra ocorre a penetração, o que permite a liberação dos espermatozoides no interior do corpo, na proximidade dos óvulos e do útero, facilitando a fecundação e a subsequente implantação do embrião.
Esse morcego nunca havia sido pego no ato, e nada se sabia sobre seu comportamento sexual, mas o exame da anatomia do animal sempre despertou suspeitas. O pênis do bichano, quando ereto, é enorme, medindo 22% do tamanho do animal. Ele possui em sua extremidade dois bulbos avantajados. O diâmetro do pênis e seu comprimento são sete vezes maiores que a vagina dilatada da fêmea, o que já indicava a impossibilidade de uma penetração. Mas, cientistas são cautelosos e as suspeitas ficaram enterradas em alguma gaveta.
Tudo mudou quando um cientista amador resolveu observar os morcegos que habitam o ático de uma igreja perto da sua casa na Holanda. Ele conseguiu filmar os morcegos fazendo sexo, ficou impressionado, e mandou o filme para o cientista que tinha descrito o pênis dessa espécie. Eles passaram a colaborar e conseguiram filmar 93 atos sexuais no ático da igreja. Confirmaram a descoberta com 4 filmes feitos em morcegos desta espécie num centro de reabilitação na Ucrânia. Um desses filmes pode ser visto no link abaixo.
Durante o sexo o macho sobe nas costas da fêmea e morde seu pescoço. Em seguida usa movimentos laterais e o pênis para afastar as membranas da asa da fêmea que recobrem a entrada da vagina escondida entre os pelos. Em seguida, o macho passa a esfregar o pênis de maneira contínua na proximidade da vagina. Uma superfície em forma de ventosa, na parte dorsal do pênis, parece funcionar como uma estrutura de sucção que permite o alinhamento do pênis com o exterior da vagina.
Em nenhum dos 97 atos sexuais filmados foi observada a penetração. No final do ato sexual todo o redor da vagina está molhado com o que os cientistas supõem ser o ejaculado do macho.
O problema com esse trabalho é que não foram coletadas amostras desse líquido para comprovar a presença de espermatozóides. Outra observação interessante é que o ato sexual dura até 12 horas, mas, em mais da metade dos casos, demora menos que 53 minutos. A razão para a demora ainda é desconhecida.
A vantagem de sabermos que esse morcego pratica com sucesso o sexo sem penetração é que nas conversas, ou nas aulas de educação sexual, não precisaremos mais recorrer a filhas fictícias de amigas imaginárias para alertar os jovens para o risco de “fazer nas coxas”. É um progresso.
Mais informações: Mating without intromission in a bat. Curr. Bio. https://doi.org/10.1016/j.cub.2023.09.054 2023
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.