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Opinião | Como os alucinógenos curam depressão e ansiedade

Estudo foi feito utilizando um equipamento de ressonância magnética funcional que produz um curto filme do que está ocorrendo no cérebro

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Foto do author Fernando Reinach

Durante décadas os cientistas foram proibidos de investigar os efeitos das drogas alucinógenas. Com a volta da possibilidade de investigar os efeitos terapêuticos de drogas como o LSD, o MDMA e a Psilocybina, os cientistas têm colocado a mão na massa e feito descobertas importantes.

Talvez a mais relevante tenha sido a capacidade dessas drogas de curar casos graves de depressão, PTSD e ansiedade. A Psilocybina já acumula um número grande de estudos clínicos, e existe uma possibilidade que ela seja aprovada pelo FDA (a Anvisa dos EUA) para uso em pacientes nos próximos anos.

Ondas de ativação que se espalham de forma coordenada antes da administração da droga deixam de existir logo que a pessoa recebe a Psilocybina. Foto: peterschreiber.media/Adobe Stock

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Uma única dose de 25 miligramas de Psilocybina provoca alucinações: a percepção do espaço fisico e temporal da pessoa fica totalmente alterada, sua percepção da própria identidade (o ego) se dissolve, e nesse processo os sintomas da depressão e ansiedade desaparecem. O importante é que quando o paciente volta dessa “viagem” de seis horas, os sintomas psiquiátricos muitas vezes não retornam.

Esse efeito curativo perdura por mais de três semanas. Em muitos casos basta uma segunda dose para obter uma remissão duradoura da depressão ou da ansiedade. Ou seja, a Psilocybina pode se tornar um importante medicamento psiquiátrico.

Mas, para se tornar um remédio confiável, é necessário entender seu efeito sobre o cérebro. O que se sabe é que a Psilocybina se liga a um dos tipos de receptor da Serotonina (5-HT2A) ativando esse receptor de forma semelhante à própria serotonina. O que foi descoberto agora é o que acontece no nosso cérebro quando essa ligação ocorre durante as seis horas iniciais e nas semanas seguintes.

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Esse estudo foi feito utilizando um equipamento de ressonância magnética funcional (RMF). Ele é semelhante a um desses equipamentos de ressonância que usamos para obter imagens do corpo, mas, em vez de uma foto, ele produz um curto filme do que está ocorrendo no cérebro. E, em vez de mostrar os diferentes tecidos (ossos, músculos etc.), o filme mostra a atividade das células neuronais que compõe nosso cérebro.

Em uma pessoa normal o que esse equipamento mostra são áreas do cérebro em que os neurônios estão disparando sinais nervosos, e áreas de repouso. Em pessoas normais essas áreas ativadas e em repouso se alternam ao longo do tempo e o filminho mostra a propagação de ondas de ativação que se espalham pelo cérebro todo ou entre diferentes regiões do cérebro. Esses padrões são semelhantes entre pessoas, mas não idênticos. Eles mudam dependendo do que o cérebro está fazendo no instante em que é filmado. Por exemplo, durante as fases do sono ou quando acordado, a ressonância mostra diferentes padrões de atividade.

O experimento foi o seguinte: um grupo de 10 pessoas teve seu cérebro monitorado. Cada pessoa foi monitorada utilizando RMF, em repouso, três vezes, em dias distintos. Logo após o último monitoramento, a pessoa foi injetada com Psilocybina e seu cérebro foi monitorado diversas vezes durante as 6 horas em que estava sob efeito do alucinógeno. A pessoa foi monitorada novamente por RMF após o término do efeito e nos dias e semanas seguintes, num total de 18 monitoramentos. Esse procedimento foi repetido em cada pessoa e os filmes de antes, durante, e depois do tratamento foram comparados.

Os resultados mostram que as ondas de ativação que se espalham de forma coordenada antes da administração da droga simplesmente deixam de existir logo que a pessoa recebe a Psilocybina. As diversas áreas do cérebro perdem o sincronismo e funcionam de forma descoordenada.

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O efeito é maior nas áreas do cérebro responsáveis pela consciência e pela percepção do espaço físico e temporal. Isso sugere que as alucinações são causadas por essa dessincronizarão da atividade cerebral. Esse fenômeno dura as seis horas da “viagem”, mas aos poucos volta ao normal. Algumas modificações de atividade duram mais tempo e poucas modificações duram semanas.

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Como em camundongos foi observado uma maior plasticidade sináptica (as ligações entre os neurônios, desaparecem e se reformam com mais frequência) após a administração de Psilocybina, os cientistas acreditam que o mesmo ocorre em seres humanos. E que, quando os padrões de sincronia entre áreas do cérebro se refazem, as sinapses refeitas modificam ligeiramente o funcionamento do cérebro. E seriam essas mudanças as responsáveis pelos efeitos terapêuticos.

Esses resultados sugerem que a Psilocybina provoca, de forma transitória, uma desorganização no funcionamento do cérebro. E, ao se reorganizar, aparentemente, o cérebro deixa de apresentar características patológicas, como a depressão e a ansiedade.

Mais experimentos são necessários para comprovar essa explicação. De qualquer modo, o uso dessas drogas parece promissor. O interessante é que nesse aspecto a Psilocybina é semelhante ao eletrochoque, que também provoca uma desorganização temporária, provavelmente muito mais generalizada e violenta, da atividade cerebral.

O tratamento com eletrochoque, apesar de pouco usado atualmente, continua sendo usado em casos em que todos os outros tratamentos falham. Minha impressão lendo o artigo é que nosso cérebro precisa de um “reboot” em certos casos e parece ser esse o efeito da Psilocybina.

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Mais informações: Psilocybin desynchronizes the human brain. Nature 2024

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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