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Opinião | A ciência avança na busca pelo milagre da ressurreição

Descoberta científica vai facilitar a preservação de órgãos para transplantes e levar os pesquisadores a tentar o experimento em intervalos menores que uma hora

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Por Fernando Reinach

A morte é o melhor exemplo de um evento irreversível. Não é à toa que a ressurreição é o principal milagre da Bíblia. Mas isso não significa que abrimos mão de buscar a ressurreição. A ciência está longe de chegar lá, mas nas últimas décadas houve progresso. O transplante de órgãos permite que uma parte de nosso corpo permaneça viva por décadas, e os desfibriladores fazem os corações parados voltarem a bater. 

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Essa semana foi divulgado um estudo no qual cientistas conseguem reverter algumas funções vitais uma hora após a morte. Os batimentos cardíacos de porcos anestesiados foram interrompidos com um choque elétrico e os porcos deixados na mesa cirúrgica por uma hora. Passado esse tempo, eles foram conectados a um equipamento, e um fluido capaz de reverter os processos degenerativos que ocorrem após a parada cardíaca foi bombeado no sistema circulatório.

Nas seis horas seguintes, os cientistas analisaram o que acontecia com as células e órgãos. O estudo é enorme e não é possível descrever todos os resultados, mas de maneira geral as células voltaram a funcionar, seus genes foram reativados e reiniciaram a produção de proteínas. As membranas também voltaram a cumprir suas funções e o porco até apresentou alguns movimentos.

À esquerda, as células do fígado (em cima) e do rim (abaixo) de porcos do grupo de controle; à direita, células de porcos tratados com a solução OrganEx, que restaurou parte da integridade do tecido e certas funções celulares Foto: David Andrijevic, Zvonimir Vrselja, Taras Lysyy, Shupei Zhang; Laboratório Sestan; Escola de Medicina de Yale

Os resultados estão longe de uma ressurreição, pois o cérebro não voltou a funcionar e o porco não saiu andando do laboratório. Na prática, essa descoberta vai facilitar a preservação de órgãos para transplantes e vai levar os cientistas a tentar o experimento em intervalos menores que uma hora.

Esse estudo confirma o que os cientistas sabem faz tempo. A passagem de um corpo da vida para a morte não é um evento único, como um interruptor, que ou está ligado ou está desligado, mas é um processo relativamente longo, que envolve modificações gradativas. Esse estudo mostra que parte desse processo pode ser revertida, assim como um choque elétrico reverte uma parada cardíaca.

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Essa descoberta nos força a repensar quando podemos considerar que uma pessoa está morta. Normalmente dizemos que uma pessoa morreu quando seu estado não pode ser revertido. É por isso que hoje não consideramos morta uma pessoa em que o coração parou, pois esse é um estado que muitas vezes pode ser revertido. Definir quando a pessoa está realmente morta é importante, pois é nesse momento que os médicos abandonam seus esforços e, caso ela tenha permitido o transplante de órgãos, eles podem ser retirados. Essa descoberta mostra que a medida que a ciência progride nossa definição de quando uma pessoa está morta tem de ser revista.

Mais informações: Cellular recovery after prolonged warm ischaemia of the whole body. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-022-05016-1 2022

Opinião por Fernando Reinach
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