Cacio e Pepe: queijo e pimenta. Esse é um dos melhores molhos de macarrão criados pela culinária italiana. Simplíssimo, com só um componente, já que a pimenta do reino é adicionada no final. Mas não se iluda: é dificílimo de preparar.
Na maioria das tentativas, cozinheiros inexperientes acabam frustrados. Nos melhores restaurantes, ele consiste em um creme homogêneo, sem grumos, que vai recobrir o macarrão por inteiro. Na mão de principiantes, você acaba com um macarrão cheio de grumos de queijo ou fiapos derretido que não recobrem o macarrão. Uma tragédia.

Pois bem: oito físicos, sete deles de origem italiana, que trabalham em universidades da Alemanha, Espanha, Itália e Áustria, publicaram agora um estudo rigoroso sobre as transições de fase que ocorrem durante a preparação do molho. O estudo de transições de fase é um ramo da física dos materiais.
Usando equipamentos especialmente desenhados para o projeto, os cientistas caracterizaram as interações entre os componentes do molho em diversas temperaturas. Esse trabalho científico não só explica as possíveis causas do fracasso, mas conclui com uma receita infalível (chamada receita científica) com a qual até eu consegui preparar um Cacio e Pepe impecável.
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Mas vamos ao equipamento usado e às descobertas. O queijo é o Pecorino italiano ralado. A massa seca é um Tonnarelli. O sal é cloreto de sódio comercial, e o amido é de milho (Maisena). O equipamento é uma panela com temperatura regulável monitorada por um termômetro digital. Para observar as estruturas que se formam foi usada uma placa de Petri iluminada por baixo onde gotas do molho eram colocadas e fotografadas com um celular.
Num primeiro experimento, eles tentaram misturar água ao queijo e aquecer. Observaram que o queijo ralado aquecido produz grumos (que denominaram de “fase grumos”) que se agregam e se transformam em uma espécie de pedaço único de mussarela derretida (que denominaram “fase mussarela”), totalmente separada da água. Isso já ocorre em baixas temperaturas, por volta de 65ºC. Fracasso.
As receitas clássicas indicam que você deve usar a água resultante do cozimento do macarrão para derreter o queijo. Repetindo o experimento com essa água, observaram que os grumos também se formavam, mas a transição para a fase mussarela ocorria mais tarde, por volta dos 75ºC.
Isso indicava que havia um componente liberado no cozimento do macarrão que permitia aumentar a temperatura sem que ocorresse a transição. Aí resolveram usar a água de cozimento risottata. Essa água é preparada fervendo por um tempo a água obtida no cozimento, para que ela diminua de volume e fique mais concentrada.
Repetindo o experimento com água risottata, eles observaram que os grumos, ao invés de se agregarem e entrarem na fase mussarela, se dissolviam e você obtinha um molho homogêneo, grosso e leitoso a partir dos 50ºC. Esse molho se mantinha na fase homogênea até os 90ºC. Sucesso.
Como é bem sabido, o macarrão, ao ser cozido, liberta parte do seu amido na água. Os cientistas imaginaram que o importante era a quantidade de amido na água. Mas a concentração de amido liberada na água varia dependendo do tipo de macarrão que é cozido e a quantidade de água que você coloca na panela.
Para tornar o processo reprodutível é necessário determinar a quantidade exata de amido que precisa estar presente. E para isso nada melhor que adicionar o amido purificado à água ao invés de depender da água vinda do cozimento da massa.
E assim foram feitos os últimos experimentos. Um deles envolveu estudar o que acontece quando se varia a quantidade de amido e a temperatura. Foi observado que é possível evitar grumos e mussarela se for usada uma concentração de amido na água entre 2% e 4%. Mas a relação entre a quantidade de amido, queijo, e água, presentes na mistura, também é importante.
Estudando essas variáveis, os cientistas concluíram que são necessários 40 mililitros de uma solução contendo 4 gramas de amido (é necessário aquecer a água para dissolver o amido). A essa solução de amido, adicione 160 gramas de pecorino ralado.
O queijo e a solução de amido devem ser aquecidos até 80ºC e misturados ou batidos em liquidificador. Por fim, adicione a pimenta do reino moída. Essa quantidade de molho (aproximadamente 200 mililitros) é suficiente para 240 gramas de macarrão. Um pouco da água de cozimento do macarrão pode ser adicionado, quente, se o molho estiver muito grosso. A receita cientifica detalhada vocês podem encontrar no trabalho científico citado abaixo.
A conclusão é que, para ter um molho cremoso e homogéneo, é importante manter uma relação exata entre a quantidade de água, de amido, e de queijo Pecorino. Fora desse intervalo estreito, o molho desanda. A proteína presente no queijo (caseína) se separa da água e da gordura do queijo formando grumos.
Ou então o queijo derrete e entra no estado mussarela. O amido tem a função de se ligar aos componentes evitando esses processos e garantindo que as micelas formadas permaneçam estáveis e o molho, cremoso.
Os cientistas não somente descobriram uma receita infalível, mas descreveram todas as equações matemáticas que regem essas interações. As vezes é útil saber um pouco de física e química para entender a magia de uma boa culinária. É assim que os cientistas brincam na cozinha.
Mais informações: Phase behavior of Cacio and Pepe sauce. arXiv