Morrer de amor não é uma experiência totalmente estranha ao ser humano. Quem foi infectado por uma grande paixão sabe. São noites intermináveis de sexo ininterrupto, intimidades, longas conversas entremeadas por sonecas profundas e pouco de alimento. Geralmente resultam em perda de peso, uma prostração deliciosa e um desligamento da realidade que pode durar semanas.

A biologia por trás desse estado físico e mental é pouco conhecida, mas sua função é clara: garantir o nascimento da próxima geração e a formação de um laço afetivo capaz de aumentar as chances de sobrevivência da prole. A lua-de-mel é o espaço criado há séculos para permitir que esse estado físico e mental pudesse ser vivido sem as interferências do cotidiano. Claro que tudo isso muitas vezes dava errado, como continua a dar até hoje. Mas essa é uma parte importante de nosso ciclo reprodutivo.
O interessante é que existem mamíferos em que esse comportamento é levado ao extremo, e os animais simplesmente morrem ao fim da paixão. É o caso de um marsupial que vive nos desertos do noroeste da Austrália, chamado Dasykaluta rosamondae. Os machos vivem um ano. Após sair da bolsa da mãe, rapidamente atingem seu tamanho final e, a partir desse momento, seus testículos crescem e a produção de espermatozoides é altíssima. Esses espermatozoides são estocados, uma vez que ele não tem relações sexuais. Após alguns meses, uma alteração hormonal provoca interrupção da produção e o animal, que era dócil, se torna arisco por duas semanas.
Aí chega a última semana do inverno e a primeira da primavera. Todas as fêmeas entram no cio simultaneamente e se inicia uma fase de intensa atividade sexual. Os machos passam duas semanas copulando até 14 horas por dia. Múltiplos machos copulam com cada fêmea e cada macho copula com inúmeras fêmeas. Nesse período, os animais não se alimentam e se dedicam apenas ao sexo. Orgia desenfreada.
Ao fim, os machos estão exaustos, largados por todos os lados, subnutridos. O estresse causado por essa atividade frenética e pelos altos níveis de cortisol no sangue faz com que eles comecem a ter hemorragias no estômago (algo semelhante a úlceras) e no intestino, que acabam levando todos – sim, todos – os machos à morte em alguns dias. Uma semana depois, toda a população é constituída por fêmeas.
Testes de paternidade mostram que em praticamente todas as fêmeas os 4 a 8 filhotes são de diferentes pais. Durante as duas semanas de paixão desenfreada, as fêmeas estocam o sêmen dos diferentes machos em uma espécie de saquinho onde os espermatozoides se misturam e são usados para fecundar os óvulos. Enquanto os machos duram só um ano e um ciclo reprodutivo, as fêmeas vivem alguns anos desfrutando de uma nova geração de machos louca e mortalmente apaixonada.
Cientistas acreditam que esse comportamento surgiu pelas condições climáticas no deserto. Nesse ambiente há um período muito curto (algumas semanas) em que o alimento é suficientemente abundante. Isso levou as fêmeas a entrar no cio e ovular ao mesmo tempo. Para elas é essencial que fiquem prenhes quando o alimento está disponível e a estratégia é copular com muitos machos. Para os machos a única chance de passar adiante seus genes é copular nessas duas semanas. É tudo ou nada! Como isso vale para todos, surge a competição louca entre eles, todos tentando espalhar pelo maior número de vaginas a enorme quantidade de espermatozoides que produziram. A necessidade de reproduzir é tão forte que vale a pena gastar todas as energias nas duas semanas e depois morrer de exaustão.
Esse comportamento demonstra como o instinto reprodutivo é forte. No nosso caso é tão forte quanto, mas as fêmeas “escondem” seu período fértil (praticamente não existe cio). Como as fêmeas humanas possuem 12 períodos férteis ao longo do ano, e aceitam copular mesmo fora do período fértil, a estratégia dos machos é diferente. Imagine se todas as mulheres do planeta só copulassem durante uma semana por ano. Seria uma semana de loucura que deixaria o carnaval no chinelo.
MAIS INFORMAÇÕES: MALE SEMELPARITY AND MULTIPLE PATERNITY CONFIRMED IN AN ARID-ZONE DASYURID. JOURNAL OF ZOOLOGY HTTPS://DOI.ORG/10.1111/JZO.12672 2019
*É BIÓLOGO