Ao longo de nossa coluna vertebral existe um feixe de nervos chamado de medula espinhal. São eles que levam os impulsos nervosos do nosso cérebro para nossos braços e pernas. Quando a medula espinhal é lesada ou rompida ficamos paralíticos. Essa é uma sequela comum em acidentes automobilísticos. Até alguns anos atrás, essa paralisia era considerada irreversível, condenando a pessoa a uma vida na cadeira de rodas. Agora um trabalho científico mostrou como isso pode ser revertido parcialmente e explicou as causas dessa reversão.
O controle do movimento de nossas pernas é em grande parte exercido pelos neurônios que se localizam na medula espinhal, mas seu funcionamento correto depende de circuitos neuronais que ligam a medula ao cérebro. Faz muitos anos foi descoberto que a estimulação elétrica com eletrodos externos, que eram usados para aliviar a dor, provocam uma recuperação parcial dos movimentos das pernas.
Nos últimos anos, os cientistas estudaram a melhor maneira de aplicar esses estímulos elétricos. Modificaram sua frequência, o local e a intensidade. Isso levou ao desenvolvimento de um aparelho que agora foi testado em voluntários em um ensaio clínico.
Um total de nove pessoas totalmente paralíticas (incapazes de movimentar as pernas) participou do estudo. Seis delas não possuíam movimento e três haviam perdido o movimento e a sensibilidade. Em todas foi implantado o estimulador por meio de uma pequena cirurgia.
Após cinco meses, esses pacientes passaram a mover suas pernas e a andar quando parcialmente sustentados. Pacientes com lesões parciais voltaram a andar, demostrando que essa tecnologia pode melhorar a vida dessas pessoas.
Mas, para melhorar o sistema, os cientistas decidiram que era necessário compreender como a estimulação elétrica surtia efeito. Para tanto provocaram em camundongos lesões semelhantes às sofridas pelas pessoas e tentaram observar o efeito da eletroestimulação nos neurônios da medula espinhal.
Para identificar quais as células que estavam respondendo ao estimulo, procuraram as com alteração no seu padrão de expressão gênica após a estimulação. Um total de 82.093 células individuais foram mapeadas em 24 camundongos, divididos em quatro grupos distintos de tratamentos. Essas células compõem 36 grupos presentes em cada fatia da medula espinhal. Verificando a resposta ao estimulo desses 36 grupos descobriram um grupo pequeno de células que era ativado pelo estímulo elétrico.
Mas, para espanto dos cientistas, essas células não estavam envolvidas no controle ou movimentação das pernas. Para ter certeza que essas eram mesmo as células sobre as quais a estimulação age, os cientistas ativaram somente essas, usando um truque genético, e observaram que, quando elas estão ativas, a recuperação ocorre sem a necessidade do estímulo elétrico.
E o resultado oposto também é verdade. Se essas células são desativadas permanentemente, o estímulo elétrico deixa de ter seu efeito e os camundongos não se recuperam.
Os cientistas concluíram que essas células, quando ativadas, são capazes de reorganizar o sistema nervoso na medula espinhal, de modo que ele volte a funcionar. Ou seja, são células cuja função numa pessoa saudável é desconhecida, mas que, quando estimuladas após a lesão, ajudam a reorganizar os circuitos neuronais destruídos. Esse é o primeiro passo na construção de um mapa dos circuitos neuronais capazes de regenerar lesões. Os cientistas acreditam que à medida que esse mapa for refinado será possível controlar melhor a regeneração do tecido nervoso. O interessante é que esse resultado demonstra mais uma vez a plasticidade e a capacidade de regeneração do sistema nervoso.
MAIS INFORMAÇÕES ESTÃO DISPONÍVEIS EM: THE NEURONS THAT RESTORE WALKING AFTER PARALYSIS. NATURE
*É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.