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Opinião | Pavlov versus Lorenz

A ciência está influenciando a educação dos cachorros

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Por Fernando Reinach

A ciência está influenciando a educação dos cachorros. Se Pavlov dominava no século 20, tudo indica que o século 21 será de Lorenz. Aos 11 anos ganhei um cachorro. Com ele, vieram recomendações sobre sua educação. Deveria listar os comportamentos indesejados, como urinar pela casa e roer móveis. Cada vez que o cachorro exibisse um desses comportamentos, deveria imediatamente levar o animal ao local do crime, mostrar o feito e punir o bicho com uma advertência verbal. Depois, deveria puni-lo fisicamente. Tudo deveria ocorrer imediatamente após o comportamento. Punir após o ato não funcionaria, explicou meu pai, pois o cachorro fica confuso e não associa a punição ao comportamento.

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Esse método é derivado das descobertas de Ivan Pavlov (1849-1936), um cientista russo que ganhou o prêmio Nobel em 1904. Pavlov ficou famoso por uma descoberta feita observando seus cachorros. Bastava os cães perceberem a chegada do tratador com a comida para começarem a salivar. Seu auxiliar de laboratório ainda costumava usar um apito para chamar a atenção dos cães quando chegava com a comida. Depois de um tempo Pavlov descobriu que se apitasse, mesmo sem trazer a comida, os cães salivavam. A esse fenômeno Pavlov deu o nome de reflexo condicionado. O reflexo natural do cão de salivar, que estava associado à presença da comida, havia sido transferido a um outro estímulo, o apito. Era possível criar, na mente dos animais, novas associações entre estímulos e comportamentos. E foi criando associações que os cães passaram a ser educados. Urinar no tapete, que estava associado a uma sensação de prazer e alívio, passou a ser associado a broncas e punição física. Funciona. 

Agora, vítima de um complô entre minha sogra e filho, acabei com um cachorro em casa. Loki é um simpático filhote maltês. Mas Klaus, dono de Loki, não é simpatizante de Pavlov. Passa horas explicando a Loki que urinar no tapete não é um comportamento adequado. Quer educar Loki como é educado, algo louvável. A solução foi contratar um treinador para explicar a Klaus como educar Loki. Foi aí que Lorenz entrou na história.

Konrad Lorenz (1903-1989), que ganhou o Nobel em 1973, é considerado um dos pais da etologia, o estudo do comportamento dos animais em seu ambiente natural. Ele é famoso por uma foto. Vemos um sisudo senhor barbado caminhando pelo jardim seguido por uma fileira de gansos. Lorenz descobriu que muitas aves consideram a primeira imagem que veem como mãe. Quando nascem em incubadora, e o primeiro ser vivo que aparece é Lorenz, acreditam que ele é a mãe e passam a segui-lo. É o que chamamos de “imprinting”. Lorenz e seus seguidores demonstraram que os animais sociais nascem programados para grande parte dos comportamentos. Acreditava que conhecendo e respeitando esses comportamentos é possível conviver e educar muitos animais.

O treinador segue Lorenz, pensa que nossa relação familiar deve simular a de uma matilha. Que Loki deve entender que não é o macho alfa (que sou eu, dado que pisei no coitado logo no primeiro dia) e vai se comportar melhor quando compreender que Klaus é o macho beta. E esse aprendizado vai levar o bichinho a deixar de urinar nos tapetes. 

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Quando reproduzirmos no apartamento a organização social da matilha, Loki vai se comportar como o último na linha de poder. Mas nas matilhas o macho alfa pune os infratores com mordidas no cangote, não deixa os outros urinarem no território. Além disso, come da mesma comida, mas antes dos outros machos. Pelo andar da carruagem, serei obrigado a caminhar de quatro levantando a perna e depositando urina em cada local maculado por Loki. Terei de morder seu cangote e dividir a ração? Não vou me submeter! Quero mais Pavlov e menos Lorenz.

* É BIÓLOGO

Opinião por Fernando Reinach
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