Vinho tinto é uma delícia. Muitos reclamam que provoca dor de cabeça com mais frequência do que os vinhos brancos e bebidas alcoólicas destiladas. Alguns acreditam que tudo depende da procedência e qualidade. Existem hipóteses para explicar esse fenômeno, mas agora um grupo de cientistas descobriu uma explicação convincente.
Os vinhos, ao contrário das bebidas destiladas, possuem centenas, senão milhares, de componentes químicos. São as moléculas que existem nas uvas, as criadas durante a fermentação, as produzidas durante o envelhecimento, e as adicionadas pelos fabricantes. Os vinhos brancos possuem uma diversidade menor de moléculas, pois a ausência da casca da uva diminui a complexidade. E as bebidas destiladas são muito mais simples, pois a destilação remove grande parte das moléculas. É essa diversidade de moléculas que faz com que cada vinho tenha sabores e odores próprios. Mas, nessa mistura de moléculas, quais as culpadas pela dor de cabeça?
Quando bebemos vinho, o etanol atravessa a parede de nosso trato digestivo e cai na corrente sanguínea. Ele chega ao cérebro e seus efeitos são conhecidos. Logo o álcool começa a ser degradado e seu efeito vai desaparecendo.
O etanol desaparece do nosso corpo porque duas reações químicas o transformam em acetato, um composto que existe no corpo mesmo quando não bebemos. Primeiro uma enzima (álcool desidrogenase, ADH) transforma o etanol em aceto aldeído. Numa segunda etapa, o aceto aldeído é transformado em acetato por uma outra enzima (aldeído desidrogenase, ALDH).
Leia também
Existem pessoas de origem asiática que possuem mutações que tornam sua ALDH inativa. Nessas pessoas o etanol é transformado em aceto aldeído, mas o aceto aldeído não é convertido em acetato e acumula no corpo. Quando bebem, essas pessoas têm dores de cabeça horríveis e outros sintomas. Sabemos que a dor de cabeça dessas pessoas se deve ao acúmulo de aceto aldeído.
Além disso, existe uma droga, chamada disulfiram, que inibe o funcionamento da ALDH. Quando uma pessoa toma essa droga e consome álcool, acontece a mesma coisa, o aceto aldeído produzido pela ADH também acumula no corpo e a pessoa tem dores de cabeça horríveis e outros sintomas. Essa droga é usada no tratamento do alcoolismo.
Com base nesses conhecimentos, os cientistas se perguntaram: será que no vinho tinto não existe alguma molécula capaz de inibir a ALDH, como faz o disulfiran, provocando o acúmulo de aceto aldeído e induzindo a dor de cabeça?
Para testar essa hipótese eles compararam as moléculas que existem nos vinhos tintos com as moléculas presentes nos vinhos brancos e nos destilados. Essa comparação gerou uma lista de 13 moléculas, todas da família dos fenóis, presentes em grande quantidade nos vinhos tintos. Em seguida, os cientistas testaram cada uma dessas moléculas para ver se eram capazes de inibir a enzima ALDH nas concentrações que essas moléculas ocorrem no corpo depois de um ou dois copos de vinho.
O resultado mostrou que uma das moléculas, chamada quercetin-3-glucoronida, consegue inibir totalmente a ALDH. Em uma concentração muito baixa, de 9,62 micromolar, ela inibe 50% da atividade da ALDH. Nessas condições ela é capaz de produzir um acúmulo significativo de aceto aldeído.
O que provavelmente ocorre é que, ao beber vinho tinto, você está ingerindo álcool e um inibidor da ALDH. Esse inibidor provoca a acumulação de aceto aldeído causando a dor de cabeça.
Agora, os cientistas estão tentando comprovar essa descoberta retirando do vinho essa molécula ou adicionando mais dela ao vinho. Além disso, é possível adicionar a molécula a um copo de água com somente etanol em concentrações similares às presentes no vinho. Se esses testes comprovarem os resultados, um dos fatores que levam os bebedores de vinho tinto a terem dor de cabeça terá sido descoberto. Então, o desafio será produzir vinhos tintos sem quecetin-3-glucoronida que beberemos sem medo.
Mais informações: Inhibition of ALDH2 by quercetin glucuronide suggests a new hypothesis to explain red wine headaches. Sci. Reports. https://doi.org/10.1038/s41598-023-46203-y 2023
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.