O calor mata qualquer ser vivo. O que varia é a temperatura máxima e o tempo que um ser vivo aguenta antes de morrer. Como as reações químicas que mantêm um organismo vivo dependem de moléculas que perdem sua estrutura e deixam de funcionar em altas temperaturas, esse número varia pouco.
Mesmo organismos termófilos, que vivem perto de vulcões submarinos, dificilmente resistem a temperaturas maiores que 70 graus Celsius. Na superfície do planeta poucos seres vivos aguentam viver a 50 graus. Os mamíferos suportam temperaturas mais altas porque possuem um sistema de refrigeração, a transpiração, que mantém a temperatura interna do corpo perto dos 37 graus. Se ela ultrapassa 42,3 graus corremos risco de vida.
Em 1864 um cientista chamado Sachs demonstrou que as folhas das plantas morrem quando submetidas a temperaturas próximas a 50 graus Celsius. Hoje sabemos que bastam alguns segundos a 46,3 graus Celsius para que a maquinaria responsável pela fotossíntese nas plantas seja danificada de forma irreversível.
Apesar do rápido aquecimento global, temperaturas atmosféricas de 46,3 graus Celsius raramente ocorrem fora das regiões desérticas. Mas, com o aumento da flutuação das temperaturas (por exemplo a temperatura máxima do El Niño de 2015 foi 1,5 graus Celsius mais alta do que a de 1997) não é impossível imaginar que essas temperaturas possam vir a ser atingidas durante algumas horas por ano nos trópicos, e isso é suficiente para matar uma floresta.
Foi com essa questão na cabeça que os cientistas resolveram investigar novamente a temperatura máxima do ar na copa das florestas tropicais ao longo do ano. Mas, agora com um novo método. Na estação espacial internacional existe uma câmara capaz de medir a temperatura na superfície do planeta. O sistema se chama Ecostress.
Num primeiro experimento as medidas obtidas por esse sistema foram calibradas usando equipamentos colocados na copa das florestas. Isso foi feito comparando as medidas diretas, feitas com termômetros, com as feitas pelo Ecostress. Feito isso, os cientistas puderam medir com precisão a temperatura na copa das florestas em diferentes regiões do planeta ao longo do ano.
Os resultados mostram que nas florestas tropicais, em somente 0,01% do tempo (~50 minutos por ano) a temperatura da copa das árvores atinge os fatídicos 46,3 graus Celsius. Isso não é suficiente para afetar o sistema fotossintético das florestas.
Mas, em campos experimentais no Brasil, na Costa Rica e na Austrália, onde a temperatura na copa das árvores está sendo aumentada artificialmente entre 2 e 4 graus Celsius para estudar o efeito do aquecimento global, a temperatura nas folhas tem atingido o limite de 46,3 graus Celsius durante 1,3% do tempo, o que já está causando um impacto nas florestas. Nos próximos anos, quando esse experimento terminar, saberemos se as árvores submetidas a essas temperaturas sobreviverão.
A questão, portanto, é saber o quanto a temperatura do planeta pode subir antes de uma fração significativa das florestas tropicais morrerem devido a picos ocasionais de temperatura. Os cálculos indicam que as florestas tropicais aguentam um aquecimento global de mais 3,9 graus Celsius antes de colapsar. Ainda estamos longe desse valor, mas é bom lembrar que atualmente o planeta está aquecendo 0,5 graus Celsius por década.
Nos cenários mais pessimistas de emissão de gás carbônico (os chamados modelos RCP 6 e 8,5) um aumento de temperatura de 4 graus Celsius pode ocorrer até 2080. Se não formos capazes de controlar nossas emissões de gás carbônico, as crianças que estão nascendo hoje talvez vivam o desaparecimento das florestas antes de completarem 60 anos. Não devido ao desmatamento, mas por causa do calor.
Mais informações: Tropical forests are approaching critical temperature thresholds. Nature 2023
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