Existem duas teorias sobre a duração da vida humana. Elas foram propostas faz 30 anos e geraram uma aposta entre seus proponentes. A novidade é que, após 30 anos, um dos grupos obteve dados que indicam que sua teoria é a correta.
A primeira teoria diz que não existe um limite superior para a duração da nossa vida. Seus proponentes acreditam que, à medida que a medicina progride e vai curando cada uma das doenças que provocam nossa morte, a duração de nossa vida pode ser estendida. Quando curarmos o câncer e outras doenças neurológicas, nossa vida passará a ser mais longa.
Surgirão outras doenças que, quando controladas, prolongarão ainda mais nossa vida e assim por diante. Esse grupo acredita que as primeiras pessoas que viverão 150 anos já nasceram.
A segunda teoria diz que existe uma barreira, um muro biológico intransponível, que determina a duração máxima de nossa vida. Esse muro seria ditado por mecanismos biológicos de envelhecimento do corpo humano.
Esse seria um processo natural não relacionado às doenças. Ou seja, somos programados para envelhecer e morrer. E mais, afirmam que estamos quase batendo nesse limite, que deve ser algo entre 120 e 130 anos.
Os novos dados suportam a segunda teoria.
Para entender o que foi descoberto é importante entender o conceito de expectativa de vida ao nascimento. Imagine que você selecione cem pessoas que nasceram hoje e acompanhe essas pessoas até todas morrerem. Cada uma vai morrer com uma idade, mas, se você fizer a média da idade em que essas cem pessoas morreram, essa é a expectativa de vida ao nascimento dessas cem pessoas. Existem maneiras sofisticadas para medir esse número sem esperar que todas morram, mas, para entender o conceito, essa maneira simples de fazer a conta é suficiente.
Hoje, nos países mais desenvolvidos, a expectativa de vida ao nascimento é de aproximadamente 85 anos, com muitas pessoas atingindo cem anos e um máximo comprovado de 122 anos. Durante os últimos 2.000 anos, até o início do século 20, a expectativa de vida era um número entre 20 e 50 anos. E o aumento da expectativa de vida foi muito lento durante esse período, algo como um ano para cada cem ou 200 anos. Isso é explicado pela ocorrência de epidemias, guerras e uma medicina precária.
Mas, a partir do início do século 20, ocorreu um aumento rápido na expectativa de vida dos seres humanos. Esse aumento, que era de 1 ano a cada 200 anos, passou a ser de três anos de vida por década. Foi um aumento de mais de 30 anos em um século. Isso fez com que nossa expectativa de vida passasse de 50 para os atuais 80-85 anos. Esse aumento rápido ocorreu principalmente pela redução drástica no número de pessoas que morrem ainda crianças (diarreia, pneumonia, etc...), pelo tratamento da água e do esgoto, pela descoberta dos antibióticos, das vacinas e outros avanços da medicina.
Os proponentes da primeira teoria acreditam que esse aumento na expectativa de vida de três anos por década deve continuar ou mesmo melhorar com o avanço da medicina. Daí a ideia de que logo chegaremos a uma expectativa de vida de 125 anos, com as pessoas mais idosas atingindo 150 anos.
Esse novo estudo analisou o quanto nossa expectativa de vida aumentou nos últimos 30 anos (entre 1990 e 2020). Ela teria continuado a aumentar três anos por década (como prevê a primeira teoria) ou estaria desacelerando apesar de todos os progressos da medicina (como prevê a segunda teoria)?
Foram analisados os dados dos 10 países mais desenvolvidos, tanto do ponto de vista social quanto do ponto de vista dos sistemas de saúde. Essa análise demonstra que a velocidade do progresso está diminuindo, tendo caído de 3 anos por década para 2 anos por década.
Nesses 30 anos, a expectativa de vida subiu somente 6 anos. Além disso, os dados mostram que os progressos no tratamento de doenças da terceira idade têm pouco impacto na expectativa de vida da população. Os dados desses últimos 30 anos sugerem que dificilmente chegaremos a uma expectativa de vida de cem anos até o final do século. Somente 15% das mulheres e 5% dos homens chegarão aos cem anos no final do século 21.
Os autores ressaltam que o fator que está impedindo o progresso não são as doenças, mas o próprio envelhecimento do corpo e isso só vai mudar se descobrirmos uma maneira de retardar ou bloquear o processo natural de envelhecimento. E, caso isso seja descoberto, só vai impactar a expectativa de vida no século 22. Assim, para quem está vivo o melhor é aproveitar a expectativa de vida atual da melhor maneira possível.
Mais informações: Implausibility of radical life extension in humans in the twenty-first century. Nature Aging https://doi.org/10.1038/s43587-024-00702-3 2024
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