Até agora você podia assumir que estava parcialmente protegido contra as formas sintomáticas da covid-19, caso você tivesse completado sua imunização com duas doses nas últimas duas semanas. Suas chances de ter a doença também é mais baixa se você já foi infectado pelo Sars-CoV-2 e apresentado a doença no passado. Mas não existia uma maneira de medir o grau de proteção diretamente no sangue de um indivíduo, ou acompanhar a evolução do seu grau de proteção. A novidade é que agora foi demonstrado que a quantidade de alguns anticorpos no sangue está diretamente correlacionada ao nível de proteção da pessoa.
De maneira simplificada, existem três tipos de exames que medem a quantidade e o tipo de anticorpo presente no sangue. O primeiro mede a quantidade de anticorpos contra a proteína N (núcleoproteina). Esses anticorpos aparecem em todas as pessoas que foram infectadas pelo vírus, mas não nas que foram vacinadas. E a razão principal é que a proteína N não faz parte da composição de grande parte das vacinas e, portanto, somente vacinados não apresentam esses anticorpos no sangue. Na cidade de São Paulo, usando esse método foi possível determinar que 42% dos adultos já haviam sido infectados no início de maio de 2021 (https://www.monitoramentocovid19.org/)
O segundo tipo de exame detecta anticorpos contra a espícula do vírus (os chifrinhos). Esses anticorpos aparecem em pessoas infectadas e nas que foram vacinadas. Isso ocorre porque todas as vacinas têm em sua composição a espícula ou parte dela. O terceiro tipo de exame detecta os anticorpos neutralizantes – que aparecem nas pessoas infectadas e nas vacinadas. Eles impedem que o vírus penetre nas células humanas. Já se imaginava que a quantidade de anticorpos neutralizantes no sangue de uma pessoa deveria estar correlacionada ao nível de proteção, mas isso não havia ainda sido comprovado.
Em um novo estudo, cientistas ingleses identificaram 4.372 pessoas que haviam sido vacinadas com as duas doses da AstraZeneca 28 dias antes do início do estudo e que não haviam sido infectadas pelo coronavírus. Em cada uma delas a quantidade de anticorpos neutralizantes e de anticorpos contra a espícula foi medida no dia inicial do estudo. Essa medida permitiu saber exatamente a quantidade de anticorpos de cada tipo que a pessoa tinha produzido em função de ter sido vacinada. Seguidas durante 88 dias, 1.404 pessoas contraíram o vírus, mas não apresentaram sintomas – e 171 contraíram e apresentaram sintomas. Ou seja, só 4% das pessoas vacinadas apresentaram a forma sintomática da doença nesse período, mas quase 36% contraíram o vírus.
Como os cientistas tinham os dados sobre a quantidade de anticorpos presentes no sangue de cada uma dessas pessoas, foi possível relacionar essa quantidade de anticorpos com a chance de ser infectado e a gravidade da doença. Os resultados são absolutamente claros: quanto maior a quantidade de anticorpos neutralizantes e de anticorpos contra a espícula, menor a chance de a pessoa apresentar sintomas. Por exemplo: pessoas que têm 22 unidades de anticorpos neutralizantes têm uma chance 60% menor de contrair infecções sintomáticas quando comparadas com as que não possuem esses anticorpos. Já as que têm 938 unidades têm uma chance 90% menor.
Essa correlação é valida para todos os anticorpos contra a espícula do vírus ou de parte da espícula e para as infecções sintomáticas. Mas não para as assintomáticas. Estudo da Moderna deu resultados iguais. Esse resultado permite saber se nossa proteção, a cada momento, é alta, baixa, ou está caindo.
Em São Paulo, o grupo de cientistas do qual participo acabou de medir a presença de anticorpos neutralizantes na população de adultos. Com essa medida será possível estimar não somente a fração dos paulistanos já infectados, mas a quantidade dos parcialmente protegidos e seu nível de proteção. Os resultados estão sendo analisados e provavelmente serão divulgados nas próximas semanas. Posso adiantar que são animadores.
*É BIÓLOGO
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