SÃO PAULO - Alvo de críticas e questionamentos do governo Bolsonaro há mais de um ano, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) tem um novo diretor. O engenheiro eletricista Clezio Marcos De Nardin, que era coordenador-geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas do próprio instituto, foi escolhido pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, para assumir o cargo máximo do órgão pelos próximos quatro anos.
Pesquisador da área da ciência espacial, Nardin, de 48 anos, é um dos criadores do programa de monitoramento do clima espacial no Inpe. A decisão foi publicada nesta sexta-feira, 2, no Diário Oficial da União.
Em breve entrevista ao Estadão, Nardin não quis entrar nas polêmicas e afirmou que pretende adotar, à frente do Inpe, um caráter pragmático em relação aos ataques do governo federal.
"O Inpe já esteve em situações difíceis no passado. Não estou dizendo que as críticas são bem-vindas ou indesejadas. Toda crítica é bem-vinda, e todas serão tratadas com análise técnica. Minha função é prover uma resposta técnica, não uma resposta política. Se você está atrás de uma resposta política, eu sugiro que você procure o ministro. Ele é quem tem responsabilidade por isso. A minha função é assessorá-lo. Encaro com naturalidade. Críticas são comuns no meio científico e as nossas respostas serão sempre sempre técnicas para atender ao País e ao governo", afirmou.
Quando questionado sobre o risco de corte de orçamento no próximo ano e sobre quais estratégias pretende adotar para blindar o instituto, Nardin insistiu no papel técnico do Inpe: "Sou um órgão técnico, não posso fugir disso. É a minha natureza. Sempre vou argumentar do ponto de vista técnico. Quem tem de decidir para onde vai o orçamento é a Câmara dos Deputados, o governo".
E complementou: "Cabe ao Inpe, com o que receber, fazer o seu melhor. E tentar, na medida do possível, diante da crise que o País vive, mostrar sua importância e onde o Inpe pode atuar para melhorar a economia do País. Não cabe ao Inpe criticar se o orçamento é ruim, ou é baixo, ou é grande, ou é pouco. Quem tem de fazer isso é o povo através dos seus representantes no Congresso. O Inpe trabalha pelo País, só isso."
A direção do instituto era ocupada interinamente desde agosto do ano passado pelo militar Darcton Policarpo Damião, depois que o então diretor, o físico Ricardo Galvão, foi exonerado pelo governo. Coronel da reserva da Aeronáutica, Damião era candidato à vaga definitiva e vinha, desde o fim do ano passado, conduzindo um polêmico processo de reestruturação no Inpe, o que indicava que ele poderia contar com algum favoritismo, o que era rejeitado pela maior parte do instituto e da comunidade científica. Desde sua criação, o Inpe sempre teve diretores civis.
Ao todo, nove pessoas se candidataram ao cargo, entre eles o ex-diretor do Inpe Gilberto Câmara e dois ex-diretores de institutos de pesquisa federais: Nilson Gabas Júnior (que foi do Museu Paraense Emílio Goeldi) e Victor Pellegrini Mammana (Centro de Pesquisas Renato Archer).
Um comitê de busca independente e científico submeteu uma lista tríplice ao ministro Pontes, mas não foram divulgados os nomes que a compunham. "O MCTI dá as boas-vindas ao dr. Clezio Marcos de Nardin, que possui todos os requisitos e competências exigidas para assumir tal missão. Dr. Clezio tomará posse nesta sexta-feira, 2, para uma nova gestão de quatro anos", informou o Inpe em seu site.
A nota informa que Damião "assume um novo desafio" e será assessor especial de Pontes. O militar recebeu ainda uma condecoração nesta quinta e foi promovido pelo Ministério da Defesa ao grau de comendador.
Ataques ao Inpe
Responsável, entre outras atividades, pelo monitoramento por satélite do desmatamento da Amazônia, o Inpe está há mais de um ano no centro de críticas pesadas do governo federal. Em meados de 2019, quando o desmatamento da Amazônia começou a subir, o presidente Jair Bolsonaro disse diversas vezes que os dados revelados em alertas do sistema Deter, do instituto, eram mentirosos. Bolsonaro chegou a insinuar que Galvão estivesse a "serviço de alguma ONG."
Galvão, na ocasião, respondeu de forma pesada e acusou o presidente de agir de forma "pusilânime e covarde". Ele defendeu a qualidade e a transparência dos dados, que foram também chancelados por instituições de pesquisa do Brasil e do exterior, como a Nasa. Mas o estresse foi tamanho que Galvão acabou exonerado.
De lá para cá, toda vez que o Inpe revelava que a situação de desmatamento e queimadas na Amazônia, e mais recentemente, no Pantanal, estava crítica, o governo voltava a atacar as informações. Neste ano, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que coordena o Conselho da Amazônia, questionou várias vezes os sistemas de monitoramento, indicando que eles não seriam o suficiente para ajudar a conter o problema. Ao mesmo tempo, veio à tona a informação que o Ministério da Defesa pretende contratar um novo satélite, ao custo de R$ 145 milhões.
Boa parte da comunidade científica que trabalha com sensoriamento remoto criticou a proposta tanto pelo seu custo quanto pela falta de necessidade do instrumento. Gilberto Câmara, que dirigiu o Inpe entre 2005 e 2012, e é hoje diretor do secretariado do Grupo de Observações da Terra (GEO), da ONU, o comparou à cloroquina, droga que não demonstrou agir contra a covid-19.
“Ao mesmo tempo em que pretendem gastar R$ 145 milhões numa compra de uma cloroquina espacial, o orçamento de pesquisa do Inpe foi zerado para 2021. A única explicação possível é que os militares querem substituir o monitoramento do Inpe pelo do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) e produzir um número cujos dados não serão transparentes para a sociedade”, afirmou em agosto ao Estadão.
Ao longo do processo de escolha do novo diretor, o Inpe sofreu um novo golpe, com a redução de parte do seu orçamento que é proveniente da Agência Espacial Brasileira.
O Sindicato Nacional dos Servidores Federais na Área de Ciência e Tecnologia (SindCT) divulgou nota ressaltando que desde a exoneração de Galvão o Inpe foi atacado de diversas formas. "Duvidaram dos dados que mostraram o incremento acentuado na destruição dos biomas brasileiros, tentaram desqualificar os sistemas de monitoramento do desmatamento e das queimadas e menosprezaram a excelência da produção científica que fundamenta os resultados que tanto incomodam a um projeto de destruição ambiental. E calado ficou o interventor", escreveu o sindicato.
Em relação a Nardin, a entidade afirmou: "É um cientista qualificado, formado e treinado no próprio Inpe, onde se doutorou em Geofísica Espacial e atualmente é Coordenador-Geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas. E assim se credenciou, aos olhos do Comitê de Busca, para dirigir uma instituição tão complexa como o Inpe, que nos seus 59 anos de existência tem prestado bons serviços à sociedade e contribuído para o avanço da ciência".
"Desejamos ao novo diretor uma profícua e exitosa gestão, baseada no compromisso maior com a ciência e o conhecimento, no diálogo com a comunidade interna, defendendo o Inpe quando este for atacado e não se curvando aos síndicos de ocasião e àqueles que desconhecem a história desta instituição e o seu comprometimento com o Brasil", afirmou o SindCT na nota.
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