Feições geológicas no subsolo do centro de São Paulo indicam que houve um terremoto de grande magnitude há pelo menos 2,5 milhões de anos – bem pouco tempo do ponto de vista geológico. Um trabalho recente, publicado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do ABC (UFABC), é o primeiro a documentar registros de abalos sísmicos de magnitude tão alta na região. Os tremores podem ter sido causados pela queda de um meteorito ou por atividade tectônica.
Publicado na revista Sedimentary Geology, o estudo revela que pelo menos um grande terremoto ocorreu na região, alcançando magnitude de, no mínimo, 6 graus na escala Richter – o que seria suficiente para destruir boa parte do centro da cidade se ocorresse nos dias de hoje.
O abalo sísmico que deixou mais de 2 mil mortos no Marrocos, em setembro de 2023, era de 6,8 nessa mesma escala. Os pesquisadores não sabem exatamente o que pode ter causado terremoto tão intenso na capital paulista, mas uma das principais suspeitas é de que tenha sido provocado pela queda de um meteorito.
De fato, existe uma cratera na parte sul da cidade, a cerca de 40 quilômetros do centro, com 3,6 quilômetros de diâmetro e 450 metros de profundidade, a Cratera Colônia, que passou muito tempo despercebida. Ela está coberta por sedimentos que formam uma planície.
Os bairros de Colônia e Vargem Grande foram erguidos na região. Apenas na década de 1960 imagens aéreas e de satélite revelaram a cratera. Pela análise das bordas e dos sedimentos do fundo de grande buraco, é possível dizer que ele foi causada pela queda de um meteorito.
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A outra hipótese levantada pelos pesquisadores é de que o terremoto tenha sido causado por atividade tectônica. O Brasil está localizado bem no centro da placa Sul-Americana e, por isso mesmo, os abalos sísmicos são raros por aqui.
Terremotos são muito mais frequentes em regiões onde placas diferentes se encontram justamente porque há o risco de choque entre elas É o caso de países como o Chile ou o Japão.
Entretanto, alertam os cientistas, tremores podem acontecer também em outras áreas pela simples movimentação das placas. Se foi essa movimentação que provocou os abalos sísmicos existe um risco, ainda que remoto, de ela acontecer novamente na região.
“Caso a gente consiga provar que não há relação entre o tremor e a Cratera Colônia, a única opção que nos restaria seria um terremoto de origem tectônica”, diz o geólogo Maurício Guerreiro, da UFABC, um dos autores do estudo.
“Não seria algo inédito. Isso ocorre com alguma frequência, embora seja mais comum nas bordas das placas tectônicas. Se um terremoto desses ocorresse hoje, seria uma catástrofe completa. As construções de São Paulo não são feitas para esse tipo de ocorrência. Mesmo em cidades preparadas, como algumas no Japão e nos Estados Unidos, seria um caos completo”, acrescenta o especialista.
“Os grandes terremotos, em geral, acontecem na plataforma continental, a dois mil quilômetros de distância. Quando chegam aqui, são com tremores muito fracos”, afirma Renato Henrique Pinto, do Instituto de Geociências da USP, que também assina o estudo. “A queda do meteorito faz mais sentido, tanto do ponto de vista geológico, quanto da estratigrafia.”
Os pesquisadores decidiram pesquisar o subsolo da cidade quando se viram no isolamento forçado pela pandemia de covid-19, em 2020, e tiveram de suspender as viagens de trabalho a campo. Na verdade, não é uma tarefa simples estudar o subsolo de São Paulo por conta da pavimentação e das construções da cidade.
Os geólogos buscaram afloramentos de rochas no próprio câmpus da USP, no Butantã, zona oeste da capital, e também em praças no centro. O tipo de rocha encontrado é típico de regiões em que houve tremores de grande magnitude. Os pesquisadores também usaram os levantamentos do subsolo feitos pelo Metrô.
“Sempre fui curioso com o subsolo de São Paulo, desde a época de estudante”, conta Guerreiro, da UFABC. “Eu já tinha feito pesquisa de campo no Rio Grande do Sul, no Ceará, na Escócia, nos Estados Unidos, e não conhecia a geologia da minha cidade. Como ficamos isolados, decidimos ir para rua olhar as pedras, que é o que fazemos”, continua.
“Precisamos preservar esses afloramentos”, afirma Renato Henrique Pinto. “Se forem cimentados, ninguém nunca mais vai poder ver. Escrevi o projeto para montarmos um roteiro de visitação e, se conseguirmos verba, fazer uma datação.”
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