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Cientistas descobrem recifes ocultos na foz do Rio Amazonas

Ecossistemas recifais profundos foram encontrados debaixo da pluma de água barrenta que o rio despeja no oceano. Sistema todo é maior do que a Região Metropolitana de São Paulo, com 9,5 mil km2. Descoberta ajuda a explicar a evolução da biodiversidade marinha brasileira e revela um ponto de conexão com a biodiversidade do Caribe.

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Atualização:
 Foto: Estadão

Cientistas brasileiros descobriram um gigantesco e colorido sistema de recifes coralíneos "escondido" debaixo da pluma de água doce e barrenta do Rio Amazonas que se derrama sobre o oceano na costa norte do Brasil -- um lugar onde, teoricamente, esse tipo de ambiente não deveria existir.

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Alojado em águas profundas, de até 120 metros de profundidade, e povoado por esponjas gigantes, que podem passar dos 2 metros de comprimento, o sistema todo é maior do que a Região Metropolitana de São Paulo. Tem cerca de 9,5 mil quilômetros quadrados, estendendo-se do norte do Maranhão até a fronteira com a Guiana Francesa.

A descoberta, relatada na edição de hoje da revista Science Advances, foi confirmada num cruzeiro de pesquisa realizado em setembro de 2014, com o navio Cruzeiro do Sul. Os cientistas já suspeitavam há algum tempo que poderia haver recifes ocultos na foz do Amazonas, por conta de algumas coletas pontuais, feitas anteriormente por pesquisadores americanos, e da alta produtividade da pesca regional de lagosta, pargo e outras espécies marinhas naturalmente associadas a ecossistemas recifais.

Ainda assim, quando puxaram as primeiras redes de coleta para cima do convés, não acreditaram no que viram: uma enorme abundância de esponjas coloridas, corais e rodolitos -- nódulos calcários construídos por algas coralináceas, também presentes em outros grandes ecossistemas recifais, como os da região de Abrolhos, no sul da Bahia. Um único arrasto chegou a coletar 900 quilos de esponjas, de 30 espécies diferentes.

"Até o comandante desceu da cabine, emocionado, e veio ajudar a puxar a rede para cima", lembra o pesquisador Rodrigo Leão Moura, do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que liderou o estudo, envolvendo dezenas de pesquisadores de 11 instituições brasileiras e 1 americana. "Descobrir um sistema desse tamanho e com essa complexidade nos dias de hoje é um alerta sobre o nosso desconhecimento dos ecossistemas marinhos brasileiros", completa o biólogo. "Não estamos falando de regiões abissais no meio do oceano; estamos falando da nossa plataforma continental!"

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Os recifes mais próximos estão a cerca de 110 km da costa, no norte do Maranhão.

Rodrigo Leão Moura, da UFRJ, inspeciona uma rede de arrasto recheada de esponjas coloridas, coletadas na região central dos recifes. Foto: Fernando Moraes/JBRJ

Uma questão de luz

Ecossistemas recifais são tipicamente dominados por corais, que dependem da luz solar para sobreviver. Por isso, na sua maioria, eles são encontrados em águas rasas e transparentes, como ocorre no Caribe, em Abrolhos, na Indonésia, Austrália e outros pontos clássicos de mergulho ao redor do mundo. Mas nem sempre é assim.

A maioria dos recifes da foz do Amazonas está na faixa de 60 a 80 metros de profundidade, onde, mesmo em condições de água clara, apenas 5% a 15% da luz solar consegue chegar. Pior ainda para quem está abaixo da pluma de sedimentos do rio, que pode variar de 5 a 25 metros de espessura e se espalhar por até 2 milhões de km2 (uma área do tamanho da Colômbia e da Venezuela juntas), dependendo da época do ano.

Essa "mancha" de água salobra e barrenta bloqueia a maior parte da luz que normalmente penetraria no oceano. Por isso, os organismos que predominam neste caso não são os corais, mas as esponjas, que filtram seu alimento da água e não dependem da fotossíntese para sobreviver.

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"É um ambiente muito mais complexo do que a gente imaginava", diz o biólogo Gilberto Amado Filho, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, especialista em esponjas e algas coralináceas. "São recifes com características muito particulares."

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O setor norte, onde a pluma do Rio Amazonas é mais densa e permanente (por causa da Corrente Norte do Brasil, que arrasta os sedimentos naquela direção), é o mais escuro e de menor biodiversidade -- ainda assim, povoado por esponjas gigantes, de até 3 metros de comprimento. Seu fundo é lamacento, pontuado por recifes muito antigos e em processo de erosão, que não crescem mais por causa da falta de luz. A luminosidade ali não passa de 2%.

No setor central, que fica bem em frente à foz do Rio Amazonas, as condições da pluma variam ao longo do ano, de acordo com os ventos. O fundo é uma mistura de areia com rodolitos, que servem de substrato para o crescimento de uma grande variedade de esponjas, além das estruturas recifais mais tradicionais. É uma área muito rica em lagostas, que os pescadores da região capturam com armadilhas.

Já no setor sul, onde a mancha de sedimentos quase não chega, a paisagem submarina é mais parecida com a de outros recifes "tradicionais" do Nordeste, com uma predominância maior de corais e de algas moles, fotossintetizantes.

Localização dos blocos ofertados para exploração de gás e petróleo na região da foz do Amazonas. Crédito: Laís Araújo/UFRJ; com dados da Agência Nacional do Petróleo  Foto: Estadão

PERIGO

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Os cientistas mal descobriram os recifes do Amazonas e já estão preocupados com o seu futuro. A costa norte do Brasil é uma das principais fronteiras do país para exploração de petróleo e gás, e centenas dos blocos exploratórios leiloados nos últimos anos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) estão exatamente sobrepostos à área de ocorrência desses ecossistemas-- que não são mencionados nos estudos de impacto ambiental dos empreendimentos.

"Se alguém já sabia da existência desses recifes, não contaram para ninguém", diz Leão Moura. "Ali é a fronteira. Tem muito gás naquela região", completa Gilberto.

Segundo os pesquisadores, isso não significa que não possa haver exploração mineral na região. Mas eles alertam para a necessidade de levar esses ecossistemas em consideração no planejamento e licenciamento das atividades; até mesmo como uma forma de proteger os investidores de exigências inesperadas. Por exemplo: ter de mudar uma plataforma de lugar por causa de um banco de rodolitos ou recifes de águas profundas que não foram mapeados inicialmente.

"Dá para evitar conflitos, mas os estudos de impacto ambiental precisam ser aprimorados", avalia Leão Moura.

Mussismilia brasiliensis é uma espécie endêmica de coral-cérebro do Brasil. Foto: Herton Escobar/Estadão

CONECTIVIDADE

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Além do potencial para descoberta de novas espécies e prospecção de moléculas com potencial biotecnológico, a descoberta desses recifes tem implicações importantes para o entendimento dos processos evolutivos que moldaram (e continuar a moldar) a biodiversidade marinha brasileira.

A hipótese predominante é que essa pluma de água salobra do Amazonas funciona como uma muralha aquática entre os mares do Caribe e da América do Sul, bloqueando o trânsito de espécies entre as duas regiões. A presença desses recifes abaixo da pluma, porém, sugere que ela funciona mais como um filtro do que uma barreira.

"Ela filtra as espécies que só conseguem sobreviver em águas rasas", explica Leão Moura. "Enquanto as espécies capazes de sobreviver em águas mais profundas podem usar esses recifes como um corredor marinho, que passa por debaixo da pluma."

Segundo os pesquisadores, isso ajudaria a explicar porque as espécies marinhas endêmicas do Brasil (que não existem no Caribe ou qualquer outro lugar) são, na sua maioria, espécies de águas rasas. Por exemplo, os famosos corais-cérebro do gênero Mussismilia, que são os principais construtores de recifes em Abrolhos.

Peixe-leão coletado por pesquisadores na Bahamas, onde ele é uma espécie invasora. FOTO: Herton Escobar/Estadão  Foto: Estadão

INVASOR

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Um dos bichos que poderia usar esse corredor para chegar ao Brasil, infelizmente, é o peixe-leão. Natural do Indo-Pacífico, ele é uma espécie invasora que se espalhou por todo o Caribe nas últimas décadas, causando graves danos à biodiversidade local, e há um grande receio de que o mesmo ocorra no Brasil.

A foz do Amazonas é vista como uma barreira de proteção, mas não 100% eficaz, pois sabe-se que o peixe-leão é extremamente resistente, adaptável, e pode sobreviver em diferentes tipos de água (inclusive salobra) e diferentes profundidades. Com a presença desses sistemas recifais, sua travessia seria facilitada ainda mais.

Dois peixes da espécie já foram encontrados em Arraial do Cabo, no norte do Rio de Janeiro, em 2014 e 2015. Estudos genéticos sugerem que eles podem ter vindo mesmo do Caribe, mas a hipótese de uma soltura isolada (talvez por algum aquarista que queria se livrar deles) não pode ser descartada.

AUTORIA

O estudo que descreve a descoberta é assinado por uma equipe de 38 pesquisadores, técnicos e alunos de pós-graduação, de 11 instituições, que agregaram informações históricas e de três cruzeiros de pesquisa realizados na região entre 2010 e 2014. Os dois primeiros foram de embarcações americanas (navios Knorr e Atlantis). A terceira e decisiva expedição, exclusivamente brasileira, foi realizada em setembro de 2014 com o navio de pesquisa Cruzeiro do Sul, da Marinha do Brasil.

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Os pesquisadores submeteram um novo projeto de pesquisa para o edital de uso do navio em 2015, que foi aprovado, mas os cruzeiros não aconteceram por conta de limitações orçamentárias para operação da embarcação. A meta é retornar à região com um veículo de operação remota (ROV) e equipamentos de mergulho profundo para obter imagens diretas dos recifes.

A seguir, a lista completa de autores e suas instituições:

Rodrigo L. Moura1, Carlos E. Rezende2, Gilberto M. Amado-Filho3, Fernando C. Moraes3, Poliana S. Brasileiro3, Paulo S. Salomon1, Michel M. Mahiques4, Alex C. Bastos5, Marcus G. Almeida2, Jomar M. Silva Jr.2, Beatriz F. Araujo2, Frederico P. Brito2, Thiago P. Rangel2, Bráulio C. V. Oliveira2, Ricardo G. Bahia3, Rodolfo P. Paranhos1, Rodolfo J. S. Dias4, Eduardo Siegle4, Alberto Figueiredo6, Eduardo Hajdu7, Nils Asp8, Gustavo Gregoracci9, Sigrid N. Leitão10, Patricia Yager11, Ronaldo B. Francini-Filho12, Adriana Froes1, Mariana Campeão1, Bruno S. Silva1, Ana Paula Moreira1, Louisi Oliveira1, Ana Carolina Soares1, Renato C. Pereira6, Laís Araujo1, Nara L. Oliveira1, João B. Teixeira1, Cristiane C. Thompson1, Rogério Valle1, Fabiano L. Thompson1

 

1-Inst. de Biologia e SAGE-COPPE, Univ. Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 2-Lab. de Ciências Ambientais, Univ. Estadual do Norte Fluminense (UENF) 3-Inst. de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) 4-Inst. Oceanográfico, Univ. de São Paulo (IO-USP) 5-Dep. de Oceanografia, Univ. Federal do Espírito Santo (UFES) 6-Univ. Federal Fluminense (UFF) 7-Museu Nacional, Univ. Federal do Rio de Janeiro (MNRJ) 8-Inst. de Estudos Costeiros, Univ. Federal do Pará (UFPA) 9-Inst. de Ciências do Mar, Univ. Federal de São Paulo (UNIFESP) 10-Dep. de Oceanografia, Univ. Federal de Pernambuco (UFPE) 11-Dep. of Marine Sciences, Univ. of Georgia, USA (UGA) 12-Univ. Federal da Paraíba (UFPB)

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