
Herton Escobar / O Estado de S. Paulo
Atualizado às 17h15 de 17/12
É difícil passar uma semana sem que eu escute, direta ou indiretamente, alguma reclamação de algum cientista sobre problemas com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A reclamação mais comum: burocracia e atraso excessivos na liberação de reagentes importados e amostras biológicas nos aeroportos.
Seja qual for a causa, é um problema antigo, que impacta diretamente a competitividade da ciência brasileira e que precisa ser seriamente discutido e resolvido, com urgência, pelas autoridades científicas e sanitárias do País.
Copio abaixo um relato da pesquisadora Lygia Pereira, da USP, que acredito sintetizar o sentimento de muitos pesquisadores brasileiros com relação ao tema. Já ouvi muitos relatos parecidos com esse nos últimos meses e até anos. O texto foi postado no site As Meninas Online, com o título "Eu não aguento mais!!".
Nota: Veja a resposta da Anvisae a situação atualizada do caso no final do post.
Eu não aguento mais!!
por Lygia Pereira
"Temos que aumentar o impacto de nossas pesquisas!" e "Temos que nos internacionalizar!" dizem o Governo, Ministério de Ciência e Tecnologia, da Saúde, os órgãos de fomento à pesquisa. Aí a gente vai e faz uma colaboração com o Harvard Stem Cell Institute, um dos maiores centros de pesquisa em células-tronco do mundo. Como parte da colaboração, eles nos mandam amostras preciosas de células-tronco para estudarmos aqui na USP. As células vêm congeladas e precisam ser mantidas em gelo seco - não tem problema, eles mandam por FedEx em um isopor com 5 quilos de gelo seco, e em 2 dias elas chegam aqui. Ou deveriam chegar...
Nenhuma notícia 4ª, 5ª, e na 6ª feira às 11:00 recebemos um email da FedEx dizendo que a remessa "foi selecionada para inspeção pelo Ministério da Saúde (ANVISA), que solicita os seguintes documentos: Declaração de Uso e Finalidade (segue modelo anexo). - A declaração deve estar completamente preenchida (campos amarelos) e assinada caso contrário, não será aceita. - Para entendimento e liberação por parte da Anvisa é fundamental esclarecer em detalhes a descrição do produto, uso e a finalidade da importação Obs: Orientamos ao preencher a declaração, evitar termos muito técnicos ou nomes de difícil entendimento para facilitar a compreensão.. Pagamento da guia GRU (instruções anexa). - De acordo com a nova resolução da Anvisa (RDC 81-08) a guia GRU que apresentar valor abaixo de R$ 50,00, além da guia e comprovante de pagamento, deve ser enviado também as duas páginas do peticionamento eletrônico com o número de transação e assinatura Termo de Responsabilidade (segue modelo anexo). - Deve ser completamente preenchido e ter reconhecimento das assinaturas em cartório. - É obrigatório o preenchimento de todos os campos. CRT ou ART (do Responsável Técnico que assina o capítulo acima.) (*CRT - Certificado de Responsabilidade Técnica) (*ART - Anotação de Responsabilidade Técnica)
Favor enviar os documentos até: 13 de Dezembro de 2.013 *****Após este prazo a mercadoria estará sujeita a retorno ao exportador com base legal na IN SRF 560/05 art.29 e 30.***** "
Fiz questão de reproduzir as instruções do email para vocês sentirem um pouco na pele a loucura disso tudo! Saímos correndo, preenchemos os documentos, conseguimos milagrosamente a assinatura do Diretor do Instituto no mesmo dia, reconhecemos a minha assinatura e a dele (em dois cartórios diferentes...), conseguimos heroicamente que a funcionária do financeiro do Instituto emitisse a tal GRU no mesmo dia, corremos no banco para pagá-la, e às 16:50 daquela mesma 6ª feira dia 6/12 estávamos no correio enviando isso tudo por Sedex10 para o FedEx no aeroporto de Viracopos. Sábado, Domingo, 2ª, 3ª, 4ª feira dia 11/12, exatamente uma semana após as células congeladas terem chegado a Viracopos, e NENHUMA NOTÍCIA sobre a liberação delas. A FedEx nos diz que a ANVISA tem até 4 dias úteis para analisar a documentação enviada - e só. Enquanto isso, os quilos de gelo seco há muito já viraram vapor (a FedEx jura que todo dia repõe o gelo seco - veremos...), as preciosas células-tronco podem já ter virado mingau, a nossa pesquisa está parada, e os colaboradores de Harvard estão nos cobrando o recebimento do material. E agora, como traduzir esse pesadelo para o inglês? Ora, dirão meus colegas, é sempre assim, Lygia. Eles têm razão, é mesmo sempre assim. E querem saber? EU NÃO AGUENTO MAIS!!!! ... (FIM)
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Atualização às 17h15 do dia 17/12: A pesquisadora Lygia Pereira recebeu hoje a remessa de células-tronco de Harvard. Ela informa que o pacote chegou com o gelo seco em dia e que agora vai colocar as células em cultura para ter certeza de que elas chegaram vivas. Ela publicou um novo texto sobre o caso: http://asmeninasonline.com/colunista/lygiaveiga/
A Fedex afirma que trocou o gelo seco regularmente enquanto o pacote aguardava liberação.
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Atualização, às 17h30 do dia 18/12: A assessoria de imprensa da Anvisa acaba de responder a uma solicitação de informações do blog, com um posicionamento oficial sobre este o específico da Dra. Lygia Pereira e outras considerações:
Resposta:
De acordo com a RDC 01/2008, o prazo de liberação de material para pesquisa atualmente é de 24h e tem sido cumprido pela Anvisa. Isto só não é possível quando não há informação correta de identificação do material que o classifique como material de pesquisa e identifique o seu conteúdo.
No caso da importação de interesse da pesquisadora Lygia Pereira, feita pela empresa Fedex e identificada pelo número 797297353609, esclarecemos que a carga foi apresentada pela empresa Fedex para inspeção da Anvisa somente na manhã do dia 10 e liberada na tarde do mesmo dia.
A liberação da carga no Brasil levou 12 dias entre a sua chegada e seu desembaraço. É totalmente inverídico afirmar que este tempo se deu por conta da ação da Anvisa, já que a Agência realizou a liberação em um período inferior a 12h.
A classificação do material para análise da Anvisa é feita de forma automática, assim como a solicitação da documentação de identificação do material. Naturalmente, o importador deve ter à disposição os documentos de identificação da carga.
É importante destacar que quando a encomenda vem por remessa expressa (exemplo: Fedex, UPS) ela cai na fila comum de importação. Ao contrário do que ocorre quando ela vem por via Postal ou Siscomex, identificada como material de pesquisa, e recebe prioridade de análise.
É importante ressaltar que a ANVISA tem pouquíssimos questionamentos de pesquisadores sobre este assunto, normalmente são demandas que chegam pela imprensa.
No link abaixo você encontra as normas sobre importação para pesquisa científica
http://s.anvisa.gov.br/wps/s/r/cDI
Atualmente, estamos trabalhando na atualização das regulamentações de controle sanitário na importação o que inclui a RDC nº 1/2008