Olhe bem para esses sapos aí em cima ... Percebe alguma semelhança com a sua imagem no espelho?
Por fora, imagino que não. Mas, por dentro, você tem mais semelhanças com esses anfíbios do que imagina. É o que revela um estudo publicado ontem na revista Science, que sequenciou o genoma completo da espécie menorzinha da foto, chamada Xenopus tropicalis. (O sapo maior é de uma espécie irmã, chamada Xenopus laevis. Ambas vivem na África Subsaariana.)
Trata-se do primeiro genoma completo de um anfíbio. E apesar das diferenças gritantes na aparência, uma comparação com o genoma humano revela algumas semelhanças surpreendentes. Por exemplo: 80% dos genes associados a doenças no Homo sapiens tem equivalentes no Xenopus tropicalis (cerca de 1.700). O que faz desse sapo um ótimo modelo de pesquisa genética sobre doenças humanas.
Pois saibam vocês que muito do que se sabe sobre a base genética de doenças em seres humanos deve-se ao estudo dessas doenças e seus genes em modelos animais. Não só nos clássicos ratos e camundongos, que são mamíferos como nós, mas também em moscas (drosófilas), peixes (zebra fish), vermes nematóides (C. elegans) e outros bichos que aparentemente não tem nada a ver com a gente.
O próprio Xenopus já é usado em pesquisas há décadas, principalmente nos campos da biologia celular e da embriologia, porque seus ovos são grandes, fartos, fáceis de manipular e fáceis de visualizar. Como os processos de divisão celular/desenvolvimento embrionário são extremamente conservados (compartilhados) entre os animais, muito do que se aprende com óvulos de sapos ou camundongos pode ser transferido para o desenvolvimento celular/embrionário humano (que é extremamente difícil de ser estudado diretamente, já que ocorre dentro do útero e não pode ser reproduzido in vitro.... a não ser pelos estágios muito iniciais).
Aliás, o press release divulgado pela Universidade da Califórnia, Berkeley, sobre o estudo traz uma história curiosíssima. Segundo o comunicado, os sapos do gênero Xenopus (que inclui mais de 20 espécies, além do X. tropicalis e X. laevis) eram usados como testes de gravidez em hospitais nas décadas de 40 e 50. Os cientistas perceberam que eles eram muito sensíveis à gonadotrofina coriônica (HCG), um hormônio produzido pelo embrião humano durante a gravidez. O teste, então, consistia em injetar a urina da mulher no sapo. Se a mulher estivesse grávida, o HCG presente na urina faria o anfíbio ovular num prazo de 8 a 10 horas após a injeção.
É o mesmo conceito dos testes de gravidez vendidos hoje na farmácia. Só que, em vez de uma linha azul num bastão de plástico, apareciam óvulos de sapo numa bacia com água. Imagine só!
No caso das pesquisas embrionárias, a espécie mais utilizada até hoje, na verdade, é o Xenopus laevis, porque seus óvulos são bem maiores do que os do Xenopus tropicalis. Mas então por que os cientistas sequenciaram o genoma do X. tropicalis e não do X. laevis?? É porque, assim como os óvulos e o corpo, o genoma do X. laevis é MUITO maior do que o do X. tropicalis.
O do X. tropicalis é um genoma "clássico", diplóide, com duas cópias de cada gene, distribuídos em 10 pares de cromossomos. Já o X. laevis tem 18 pares de cromossomos, com até quatro cópias de cada gene (tetraplóide). Ou seja: seria muito mais caro, demorado e trabalhoso sequenciar o seu genoma.
Como as duas espécies são muito próximas, a estratégia foi sequenciar primeiro o X. tropicalis, para depois usar seu DNA como referência para o sequenciamento e estudo do X. laevis. Muitos dos genes devem ser idênticos nas duas espécies, então muitas das informações do X. tropicalis já poderão ser usadas diretamente em pesquisas com X. laevis.
E haja X nesse texto!!!!
Abraços a todos.
Vídeo produzido pela Universidade da Califórnia, Berkeley, sobre a pesquisa.
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