Herton Escobar / O Estado de S. Paulo
A presença da ciência brasileira nos oceanos vai ganhar o reforço de um novo navio oceanográfico de grande porte e um novo instituto nacional, com quatro centros de pesquisa espalhados pela costa.
O Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas e Hidroviárias (Inpoh) começou a ser criado na sexta-feira em uma reunião na Academia Brasileira de Ciências, no centro do Rio, com a criação de uma associação civil que pretende se credenciar como organização social (OS), apta a assinar contratos de gestão com o poder público e a iniciativa privada.
A ideia é que o instituto funcione num modelo semelhante ao do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, uma OS que gerencia quatro laboratórios nacionais em Campinas - de luz síncrotron, biociências, biotecnologia do etanol e nanotecnologia.
Dessa forma, o Inpoh poderá firmar contratos com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para gestão de projetos e programas específicos, sem fazer parte do organograma da pasta - libertando-o, assim, de várias amarras burocráticas e legais que costumam atravancar o funcionamento da máquina pública.
Um dos projetos que o instituto deverá pleitear é justamente o contrato de gestão do novo navio, cuja compra deve ser finalizada nesta semana. "Não é algo que está na nossa agenda inicial, mas certamente há a expectativa de que o Inpoh possa se capacitar para isso num segundo momento", disse ao Estado o engenheiro oceânico Segen Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe/UFRJ, escolhido como diretor provisório da associação.
O objetivo maior do Inpoh, segundo ele, será "colocar o Brasil em linha com os países desenvolvidos" no campo das ciências oceanográficas, tanto para fins de pesquisa quanto de exploração sustentável dos recursos marinhos. "Eu diria que é um marco histórico para o Brasil; um passo de afirmação sobre a necessidade de conhecermos essa parte oceânica do País, que nas próximas décadas terá uma relevância econômica muito importante para o projeto de nação que buscamos construir", afirma Estefen.
O instituto deverá ter quatro centros de pesquisa: dois dedicados à oceanografia (um para o Atlântico Tropical e outro, para o Atlântico Sul), um dedicado à pesca e aquicultura e outro, voltado para portos e hidrovias.
A ideia original, na concepção do projeto, era que o Inpoh tratasse apenas de oceanografia, mas as questões hidroviárias e portuárias foram incluídas por demanda da presidência da República.
"É um instituto muito abrangente, que vai ter de buscar nas universidade e nos institutos de pesquisa o lastro necessário para exercer um papel relevante na sociedade e no desenvolvimento do País", afirma Estefen.
Oficialmente, a localização dos quatro centros ainda não está definida. Segundo fontes ouvidas pelo Estado, porém, já estaria praticamente decidido que o do Atlântico Tropical será no Ceará, o do Atlântico Sul no Rio Grande do Sul, o de portos e hidrovias no Rio de Janeiro, e o de pesca e aquicultura em Santa Catarina. "Tem mais influência política do que justificativa técnica nessas decisões", afirma uma fonte.
A coordenadora de Mar e Antártica do MCTI, Janice Trotte Duhá, disse que o Inpoh e o navio vão ajudar a suprir uma demanda antiga e estratégica da comunidade científica brasileira. "Temos bons pesquisadores, mas precisamos de uma melhor infraestrutura de pesquisa, principalmente em alto-mar", disse.
Navio. O novo navio, com 78 metros de comprimento, será a maior embarcação dedicada à pesquisa científica na história do País. Ele será comprado por meio de uma parceria público-privada entre o MCTI, a Marinha, a Vale e a Petrobrás. O projeto que venceu a licitação é de uma empresa norueguesa, a ASK Subsea, mas o navio será construído na China, com entrega prevista para o fim de 2014.
O custo total é de R$ 162 milhões e a Petrobrás será sócia-majoritária, contribuindo com R$ 70 milhões. A Vale dará R$ 38 milhões e o MCTI e a Marinha, R$ 27 milhões cada.
Uma divisão que deixa dúvidas na comunidade científica sobre os propósitos da embarcação. Pesquisadores ouvidos pelo Estado temem que ele tenha o mesmo destino que o Navio Hidroceanográfico Cruzeiro do Sul, de 65 metros, comprado em 2007 pela Marinha, em parceria com a Agência Brasileira de Inovação (Finep), que tem apenas 80 dias de operação por ano disponíveis para pesquisa acadêmica.
Segundo o contra-almirante Petronio Augusto Siqueira de Aguiar, coordenador do Programa de Reaparelhamento da Marinha, as atividades do navio serão controladas por um comitê gestor, composto por representantes dos quatro partícipes do projeto (MCTI, Marinha, Vale e Petrobrás). "Não decidimos ainda quais serão as primeiras atividades, mas posso garantir que o mote será a pesquisa, privilegiando a comunidade científica", disse Aguiar ao Estado na sexta-feira.
O navio será operado pela Marinha e terá capacidade para embarcar até 50 cientistas, além dos 90 tripulantes. A embarcação terá vários equipamentos avançados para pesquisa de oceanografia geofísica, química e biológica, incluindo um veículo de operação remota (ROV), com capacidade para descer até 4 mil metros de profundidade - um equipamento inédito para a ciência brasileira.
"Pesquisa é a palavra central; vamos fazer ciência", garante a coordenadora de Mar e Antártica do MCTI, Janice Trotte Duhá.
O maior navio dedicado integralmente à pesquisa científica no País hoje é o Alpha Crucis, de 64 metros, comprado em 2012 pelo Instituto Oceanográfico da USP e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Uma segunda embarcação, de 26 metros, chamada Alpha Delphini, está em fase final de construção.
"Sempre dissemos que um Alpha Crucis não basta; que o Brasil precisa de uns 8 ou 10 Alpha Crucis", diz o diretor do IO-USP, Michel Mahiques. "Espero que esse novo navio ajude a avançar a pesquisa oceanográfica no País. É um anseio antigo da comunidade científica."
O diretor global de Tecnologia da Vale, Luiz Eugênio Mello, disse que a compra do navio pela empresa representa um primeiro passo no sentido de explorar os recursos minerais marinhos de forma sustentável no futuro.
"É inexorável que o ser humano vai ter de trabalhar com mineração no fundo do mar", afirma Mello. "As questões ambientais e de viabilidade econômica envolvidas, porém, são enormes. É algo que terá de ser discutido com a sociedade, e essa discussão começa com pesquisa; porque não dá para discutir sem conhecer, é preciso discutir sobre fatos."
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.