Estudo brasileiro aponta novo material com potencial na geração de hidrogênio verde

Pesquisadores da Embrapa e da UFSCar obtiveram o combustível em processo que utiliza polímero condutor; produto é uma das promessas para a transição energética

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Foto do author Ramana Rech
Atualização:

Cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) identificaram um novo material com potencial de contribuir na fabricação de hidrogênio verde.

Trata-se de um polímero condutor chamado polianilina com camadas de nanotubos de carbono de paredes múltiplas. O hidrogênio verde é uma das promessas para permitir a transição energética, mas enfrenta o desafio de superar os altos custos de produção.

Os pesquisadores José Manoel Marconcini e Alessandra Correa foram os responsáveis por analisar os testes em laboratório Foto: Maurício Duch/Estadão

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O estudo publicado na revista Polymer em março inova ao utilizar um material orgânico (a polianilina) e a nanotecnologia. Ao lançar luz ultravioleta sobre o material, uma corrente elétrica é gerada. As reações químicas promovidas pela corrente resultam no hidrogênio verde.

Os pesquisadores já sabiam que a polianilina conseguia conduzir eletricidade e, assim, gerar o combustível. Mas o que surpreendeu os cientistas foi perceber que a presença dos nanotubos de carbono aumentava o desempenho da polianilina.

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Quanto maior a concentração de nanotubos, menos energia foi necessária para produzir hidrogênio verde. Os nanotubos de carbonos usados no sistema têm largura equivalente ao diâmetro de um fio de cabelo, dividido em mil vezes.

Por enquanto, o estudo ainda está em fase de laboratório. Ainda serão necessários testes para mostrar se o material é viável em nível industrial e formas de otimizá-lo em termos econômicos.

O hidrogênio verde tem potencial de substituir os combustíveis fósseis em diferentes áreas, como transporte, fábricas e na geração de energia elétrica. Segundo os pesquisadores, o produto também pode servir para fazer ureia, usada em fertilizante.

Um dos autores do artigo, José Marconcini, chefe-geral da Embrapa Instrumentação e pesquisador da UFSCar, destaca que o estudo é um primeiro passo que mostra a viabilidade do material em laboratório. Agora novos estudos serão úteis para aprimorar o método.

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“Os primeiros passos foram vencidos, mas ainda tem muita coisa nova pra fazermos. É como se explorássemos novas oportunidades que estão nascendo”, compara.

De acordo com os autores do estudo, a polianilina tem como vantagem ser mais simples para produzir do que a cerâmica - pelo menos na escala laboratorial. Tipicamente, outros estudos têm testado a obtenção de hidrogênio verde por meio da cerâmica, que é semicondutora.

Na cerâmica, os processos exigem equipamentos mais complexos, como fornos com alta temperatura em fábricas especializadas. Esse tipo de material precisa ficar sob forte calor por longo tempo, explica a pesquisadora Alessandra Correa, aluna de pós-doutorado de Marconcini.

A polianilina, por outro lado, é feita em temperatura ambiente com reagentes líquidos. Isso tem potencial de reduzir os custos.

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Eletrólise que gera hidrogênio ocorre após incidência de luz no equipamento Foto: Maurício Duch/Estadão

A pesquisa teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq), Rede AroNano/Embrapa e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O trabalho também contou com apoio da empresa Shell.

Para desenvolver o experimento, os pesquisadores utilizaram os laboratórios da Embrapa de Instrumentação, no Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio e da UFSCar.

Como é produzido o hidrogênio verde com polianilina?

Em um recipiente de vidro com água e um tipo de sal (solução salina), os pesquisadores colocaram um vidro especial chamado de óxido de estanho dopado com flúor (FTO), contendo a polianilina com os nanotubos de carbono. Esse vidro tem como diferencial o fato de ser condutor.

Em seguida, os cientistas estabeleceram uma diferença de potencial no sistema, o que permite a passagem de corrente elétrica quando a luz ultravioleta bate em cima do vidro com a polianilina.

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Ocorre, então, uma reação química - a eletrólise. Ela divide moléculas de água (H2O) em hidrogênio () e oxigênio (O2), que vão para direções diferentes.

O H2 fica retido na superfície da polianilina. Já o oxigênio vai para outro material acoplado à base de platina presente no recipiente.

Os pesquisadores realizaram o experimento com uma luz que tem apenas radiação UV, de melhor absorção pela polianilina. Já a luz do Sol tem espectro maior e inclui também a luz visível e a infravermelha. Em teste não descrito no artigo publicado, Alessandra utilizou a polianilina com uma luz que simula a solar e obteve produção de hidrogênio verde, mas com menor eficiência.

Um material novo

A polianilina é uma tecnologia recente e que ainda tem muito a ser explorada. Em 2000, o Prêmio Nobel de Química foi para três cientistas pela “descoberta e desenvolvimento de polímeros condutores”.

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Tipicamente, polímeros, entre eles os famosos plásticos, não costumam conduzir eletricidade por serem materiais de origem orgânica. São utilizados, inclusive, como isolantes de materiais como fios de cobre em cabos elétricos comuns.

Os trio de pesquisadores agraciado com o Nobel fez suas descobertas semifinais em 1970 e as transformaram em um campo de pesquisa.

“O grande avanço na descoberta da polianilina foi por ser um polímero que conduz eletricidade”, afirma Alessandra. “A utilização desse material orgânico com os nanotubos de carbonos é o grande diferencial nesse trabalho em relação ao que se tem na literatura sobre o hidrogênio verde.”

Em busca de eficiência

Para o pesquisador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Julio Meneghini, a busca por melhores resultados é um dos maiores desafios.

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“As tecnologias antigas têm baixa eficiência. Qualquer substituição com eficiência maior e utilizando diretamente a energia solar é algo que merece ser investigado”, diz ele, diretor-geral do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI).

O centro faz parte da Poli-USP, em parceria com a Shell Brasil, a Raízen, Hytron, Senai Cetiqt e Toyota. Segundo ele, estudos sobre produção do hidrogênio verde a partir da luz são promissores. Ele destaca, porém, a necessidade de mais pesquisas e investimentos para tornar o método comercial.

Parte das gerações mais recentes de materiais traz maior eficiência ao processo, mas ainda enfrenta problemas de alto custo. O grupo de eletrolisadores de alta temperatura (SOEC), do qual fazem parte a cerâmica e alguns metais, é exemplo disso. Apesar de mais eficiente do que a geração anterior, os materiais SOEC também são mais caros.

Para o futuro, Meneghini diz que deve ser usada uma variedade de materiais para obter hidrogênio verde. “Vamos ter diferentes tecnologias. Inclusive combiná-las, eventualmente, pode se mostrar boa solução”, afirma.

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Leia o estudo completo.