Inteligência artificial traduz textos escritos há mais de 5 mil anos; entenda como funciona

Tecnologia é a primeira a utilizar moldes 3D, ideal para captar símbolos em pedras; diversas áreas de conhecimento podem ganhar novas descobertas

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Foto do author Giovanna Castro

Um novo software de inteligência artificial (IA) desenvolvido pela Universidade Martin Luther Halle-Wittenberg (MLU), na Alemanha, pode ajudar historiadores e outros estudiosos a fazerem novas descobertas sobre a humanidade. Isso porque ele é capaz de decifrar textos em tabuletas cuneiformes – mesmo as mais difíceis de ler por causa do mau estado de conservação da tábua, geralmente feita de argila tostada.

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A IA funciona por meio de modelos 3D das tabuletas, proporcionando resultados mais confiáveis do que os produzidos por métodos anteriores, em que o sistema era regulado por padrão fotográfico, 2D. Além disso, é capaz de comparar os textos já mapeados. Todos eles ficam salvos em um grande banco de dados da inteligência artificial e podem ser acessados por computador com facilidade.

“O OCR (tecnologia até então utilizada) geralmente funciona com fotografias ou digitalizações. Não há problemas para tinta em papel ou pergaminho. Já no caso de tabuletas cuneiformes, as coisas são mais difíceis porque a luz e o ângulo de visão influenciam muito a forma como certos caracteres podem ser identificados”, diz Ernst Stötzner, pesquisador da MLU que desenvolveu a nova IA como parte de sua tese de mestrado com o também cientista Hubert Mara, em uma publicação no site da universidade.

Inteligência artificial desenvolvida pela Universidade Martin Luther Halle-Wittenberg lê textos escritos em tabuletas cuneiformes e pode ajudar historiadores a fazerem descobertas sobre a humanidade. Foto: Maike Glöckner/Uni Halle

Além dos cientistas da MLU, também participaram do estudo alguns pesquisadores da universidade Johannes Gutenberg Mainz e da Mainz University of Applied Sciences. Ao todo, eles já mapearam e criaram quase 2 mil modelos 3D de tabuletas cuneiformes.

“Isto torna possível pesquisar o conteúdo de várias tabuletas para compará-las entre si. Também abre caminho para pesquisas inteiramente novas”, diz o texto de divulgação do estudo no site da MLU. A estimativa da MLU é de que, hoje, existam cerca de um milhão de tabuletas no mundo. Muitas delas têm mais de 5 mil anos e são os registros escritos mais antigos da humanidade.

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“Tudo pode ser encontrado nelas: desde listas de compras até decisões judiciais. As tabuletas fornecem um vislumbre do passado da humanidade há vários milênios. No entanto, estão fortemente desgastadas e, por isso, são difíceis de decifrar, mesmo para pessoas com olhos treinados para isso”, afirma Hubert Mara, professor assistente da MLU, no site da universidade.

Tábuas de argila e o tempo

As tabuletas cuneiformes são pedaços de argila com textos esculpidos. Os povos antigos modelavam a argila crua no formato de uma tábua e então escreviam nela, utilizando ferramentas que afundavam o material no formato de letras e símbolos – com o passar dos anos, isso começou a ser feito com prensas. Depois, assavam as tábuas, tornando-as rígidas.

Tabuleta cuneiforme do Gilgamesh, antigo poema épico mesopotâmico. Foto: Museum of the Bible

Para além da ação do tempo sobre o material – em especial sobre tabuletas mal guardadas, em que há grandes desgastes na argila –, outro desafio para a leitura dos antigos textos é que o sistema de escrita era bastante complexo e abrangia muitos idiomas hoje extintos. Por isso, a atividade demandava, até então, condições ideais de iluminação, para reconhecer corretamente os símbolos, e muito conhecimento prévio.

“Até hoje, tem sido difícil acessar o conteúdo de muitas tabuletas cuneiformes de uma só vez. Você precisa saber exatamente o que está procurando e onde”, afirma Mara. Já com a nova IA, isso fica mais fácil: o software acessa e compara a tabuleta analisada com todas as outras já mapeadas e armazenadas no seu banco de dados. Assim, é possível reconhecer o idioma automaticamente.

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