Cientistas do Brasil descobriram que macacos-prego também podem desenvolver a doença do Alzheimer. Por muito tempo, pensava-se que essa era uma enfermidade exclusiva de humanos. A falta de modelos animais para pesquisar Alzheimer dificulta pesquisas na área. O estudo foi publicado na revista Scientific Reports em março.
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A doença de Alzheimer é caracterizada por dois elementos. Um deles é a presença de placas no cérebro que contêm depósitos de proteína beta-amiloide. O outro são alterações nas neurofibrilas, estruturas que compõem os neurônios. Em vez de seu formato usual, elas passam a formar uma espécie de emaranhado.
O Alzheimer atinge as neurofibrilas, principalmente, das terminações dos neurônios. Essas estruturas são importantes no transporte de substâncias dentro dos neurônios.
Os pesquisadores se perguntaram se um animal tão inteligente quantos os macacos-prego poderiam apresentar mudanças no cérebro iguais às que são vistas em humanos ao envelhecer. A partir da pergunta surgiu uma cooperação entre a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e o Centro de Primatologia da Universidade de Brasília (UnB).
Ricardo Nitrini, um dos autores do estudo e professor de Neurologia da USP, conta que a Faculdade de Medicina fazia a análise patológica dos cérebros de macacos-prego que haviam morrido no Centro de Primatologia.
Primeiro, os pesquisadores receberam o cérebro de um animal jovem, de 9 anos. O segundo cérebro, de um macaco de 33 anos, enviado à Faculdade de Medicina tinha sinais de Alzheimer, mas ainda eram bastante sutis. Na terceira vez, os pesquisadores conseguiram observar características mais nítidas da doença, dessa vez de um macaco de 29 anos.
Uma pesquisa de 2008 identificou, pela primeira vez, emaranhados neurofibrilares em mamíferos partir de uma fêmea chipanzé de 41 anos. Quase uma década depois, outro estudo analisou o cérebro de 20 chipanzés entre 37 e 62 anos e chegou à conclusão de que esses animais também desenvolvem Alzheimer.
Já se sabia que mamíferos poderiam ter placas de depósito de beta-amiloide no cérebro, mas faltava a segunda condição para o Alzheimer, que são os emaranhados neurofibrilares.
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Alguns pesquisadores tentaram implantar uma proteína mutante que causa Alzheimer em roedores. No entanto, eles conseguiram fazer apenas com que os animais desenvolvessem as placas de beta-amiloide.
Os chipanzés podem ser considerados um modelo animal natural para estudar Alzheimer. Os estudos sobre eles foram os primeiros a indicar que a doença não estava restrita aos humanos.
O problema é que chimpanzés estão em extinção e o custo para mantê-los para pesquisa é muito alto. Por outro lado, os macacos-prego são menores, o que faz com que seja mais barato para mantê-los em cativeiro.
Nitrini explica que a maior parte dos medicamentos para doenças são testados em animais para depois iniciar a fase de estudo em pessoas. A primeira etapa é importante para verificar possíveis efeitos colaterais e benefícios do tratamento com segurança.
“A inexistência do modelo animal bloqueava um pouco o estudo da doença do Alzheimer, porque só podia ser estudada no ser humano, o que é uma dificuldade muito grande”, afirma.
Animais muito parecidos com humanos
Os macacos-prego são um dos primatas não humanos mais comuns na América do Sul. No Brasil, habitam mangues, o Cerrado e a Caatinga. Esses animais têm diversas semelhanças com os humanos, como o uso de ferramentas, uma dieta flexível e alta encefalização – a proporção da massa do encéfalo em comparação com a total do corpo.
Um dos aspectos mais impressionantes dos macacos-prego é a habilidade de fazer instrumentos a partir de pedras. Eles utilizam martelos para conseguir comer animais que têm uma capa dura, como larvas e insetos. Também aproveitam bastões para acessar comida, mel e água. Em mangues, usam martelos de madeira para abrir caranguejos e moluscos.
Essa habilidade põe em xeque, por exemplo, que a produção arqueológica vem apenas de uma linhagem humana.
Em diversos testes, os macacos-prego demonstraram ter memória de curto e longo prazo. Eles têm capacidade de aprendizagem com os mais velhos, bem como sozinhos por meio de exploração.
Próximos passos
De acordo com o artigo, a pesquisa não obteve muitas informações sobre declínio cognitivo ou mudanças de comportamento associadas ao envelhecimento. Faltam dados sobre a evolução clínica da doença para esses primatas.
Nos próximos estudos, os pesquisadores objetivam obter informações adicionais que associem o comportamento e cognição a marcadores de Alzheimer. Nesse caso, os pesquisadores podem observar ao longo da vida dos macacos-prego uma possível progressão da enfermidade e, assim que o animal morrer, comparar os dados obtidos com as características do cérebro.
Mas também há outras possibilidades, como estudo de tratamentos, biomarcadores, genética da doença. “O caminho que se abre é muito grande”, avalia Ricardo Nitrini.
Leia a pesquisa completa na Scietific Reports.
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