Substância da maconha pode ajudar a combater dependência em crack?

Estudo publicado em revista científica internacional e feito por pesquisadores da Universidade de Brasília obteve achados positivos em intervenção com canabidiol

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Por Aline Albuquerque
Atualização:

Os estudos médicos sobre o uso de canabidiol (CBD, substância presente na maconha, mas sem o composto psicoativo THC) têm se mostrado promissores não só para os já comprovados tratamentos contra epilepsia e ataques convulsivos. Uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Brasília (UnB) mostrou que a substância também traz benefícios para o tratamento de dependentes químicos do crack. O estudo brasileiro foi publicado em uma revista científica internacional, a International Journal of Mental Health and Addiction.

  • De acordo com a publicação, foram selecionados 90 participantes que atenderam aos critérios de elegibilidade, pessoas com mais de 18 anos e com dependência de crack avaliada pela equipe: 17 deles foram excluídos por não retornarem, e 73 foram inseridos de forma aleatória em um dos dois grupos: 37 pessoas no chamado grupo controle (que não recebe a intervenção) e 36 no grupo CBD.

O estudo foi pioneiro no Brasil e contou com o financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). Foi o primeiro a receber autorização da Anvisa para importar canabidiol para fins de pesquisa científica e foi desenvolvido por Andrea Gallassi, professora da Faculdade UnB Ceilândia e coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas (CRR-UnB/FCE), além de outros 21 pesquisadores da instituição.

Os pesquisadores colocaram todos os medicamentos em frascos idênticos, sendo que a diferença das substâncias usadas na pesquisa só foram divulgadas aos participantes ao fim do estudo Foto: UnB/Divulgação

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A avaliação com os participantes durou dez semanas. Eles compareceram semanalmente para receber o kit com a medicação. Enquanto o grupo CBD recebeu óleo de CBD, que consistia em um CBD isolado, sem THC, princípio psicoativo da maconha, o grupo controle recebeu o tratamento medicamentoso ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que foram fluoxetina, clonazepam e ácido valpróico.

Eles fizeram também o teste toxicológico de urina, que foi analisado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil do DF.

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A escolha dos remédios se deu pelo fato de que esses medicamentos são os mais usados nos serviços dos Centros de Atenção Psicossocial para pessoas com dependência de crack, que apresentam sintomas como insônia, ansiedade, depressão e falta de apetite.

Os pacientes analisados também preencheram questionários sobre o uso de drogas, participaram de sessões com uma equipe psicossocial e consultaram um médico no período do estudo.

“Quem recebeu os medicamentos convencionais apresentou mais sintomas colaterais, como tontura, congestão nasal, sonolência, tremor, baixa concentração e ataxia, que é dificuldade de andar”, comentou a pesquisadora.

Os pesquisadores colocaram todos os medicamentos em frascos idênticos, sendo que a diferença das substâncias usadas na pesquisa só foram divulgadas aos participantes ao fim do estudo. Apenas o farmacêutico e a coordenadora do projeto sabiam quais lotes eram referentes a cada grupo.

Andrea Gallassi, professora da Faculdade UnB Ceilândia e coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas, desenvolveu estudo com pesquisadores da instituição Foto: UnB/Secom

“Você adquire ele (canabidiol) por três possibilidades. Uma na farmácia, que é muito mais caro do que esses três medicamentos. A segunda é via importação, com autorização da Anvisa. Esse protocolo está bastante simplificado hoje, e é bem fácil. E a terceira é por associações, que têm autorização judicial para plantar e distribuir, comercializar os medicamentos”, explicou a cientista.

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  • Enquanto o grupo CBD recebeu, além do óleo de CBD, três medicamentos placebos para simularem os três medicamentos do outro grupo, o grupo controle recebeu os três medicamentos e um óleo placebo, feito com componentes presentes também no óleo de CBD, óleo de coco e aroma de morango.

“Tentamos justamente reproduzir no nosso ensaio clínico o contexto de tratamento dessas pessoas. Ou seja, essas pessoas vão ao serviço público, fazem o tratamento e voltam para casa. Isso é um contexto de vida real, a minha intenção foi reproduzir um contexto de tratamento público”, explicou Andrea Gallassi.

  • O principal objetivo, conforme destaca a publicação científica, foi verificar a segurança do uso do CBD e como era tolerado pelos participantes, comparando os efeitos adversos e se o paciente seguiria com o tratamento, em comparação com os fármacos convencionais analisados.
  • A análise também buscou identificar a frequência e compulsão pelo uso do crack, os efeitos colaterais com o tratamento, questões de saúde física e mental.

Para o corpo de pesquisa, o resultado se apresentou surpreendente, já que o grupo CBD mostrou redução significativa na compulsão pela droga e menos reações adversas, como falta de apetite, dificuldade em diminuir o uso de crack e sensação de saúde debilitada.

São justamente esses efeitos colaterais que colaboram para que os pacientes em tratamento convencional abandonem a tentativa de cura para o vício. O trabalho considera que o resultado favoreceria o amplo acesso ao CBD.

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  • No caso dos pacientes com uso diário do crack, no Grupo CBD, 20% iniciou o estudo usando crack diariamente e 13% terminou o estudo fazendo uso diário da droga, uma redução de 7 pontos percentuais no uso diário. Enquanto no Grupo Controle, 14,3% iniciou o estudo usando o crack diariamente e 10% terminou o estudo com consumo diário da droga, uma redução de 4,3 pontos percentuais no uso diário.
  • O teste também foi feito com pacientes que faziam uso de crack de três a quatro vezes na semana. Nesse caso, 20% dos membros do Grupo CBD começaram o estudo com uso de três a quatro vezes por semana. Após o tratamento, 6,7% terminou com essa frequência de uso da droga, ou seja, uma redução de 13,3 pontos percentuais.
  • Nesse mesmo recorte, 7,1% dos integrantes do Grupo Controle iniciaram o tratamento consumindo o crack de três a quatro vezes na semana; 0% terminou o estudo usando de três a quatro vezes por semana, uma redução de 7 pontos percentuais no uso.

Ou seja, o grupo CBD teve melhores resultados na redução da frequência do uso de crack do que o grupo controle.

  • A frequência de reações adversas reportadas no estudo também foi significativamente maior no Grupo Controle em comparação ao grupo CBD: 30% dos participantes do grupo controle afirmaram sentir tontura, e somente 0,5% do grupo CBD informaram esse efeito.
  • 19% dos integrantes do grupo controle demonstraram problemas na memória, enquanto somente 0,8% dos participantes do grupo tratado com canabidiol se queixaram desse efeito. 21% do grupo controle reportaram baixa concentração e somente 0,7% do grupo CBD informaram esse sintoma.

A cientista aponta ainda que a possibilidade de produção nacional do canabidiol é outra das vantagens, pois o Brasil tem solo fértil para cultivo da maconha. Com a possibilidade de produção nacional, o CBD seria uma opção de baixo custo, principalmente em comparação com os outros três remédios necessários ao tratamento, e não só uma única substância.

“Pelo fato de a gente não ter uma autorização para cultivo e produção nacional desses medicamentos, eles são muito caros. Então a gente está pagando caro por um medicamento que poderia ser muito mais barato. Estamos diante do medicamento que ele teria absolutamente todas as possibilidades de extração de cultivo de cannabis no Brasil”, pontuou a coordenadora da pesquisa.

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O recente trabalho dialogou com uma pesquisa feita para buscar o combate ao uso de drogas, especialmente a cocaína. Cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estudam o primeiro imunizante terapêutico específico para tratar a dependência de cocaína, a vacina Calixcoca.

Desafios da pesquisa e avanço das discussões

Mas os trabalhos tiveram alguns desafios enfrentados pelos pesquisadores. Os trâmites para importação da substância começaram em 2017, além da pandemia da covid-19, que fez o material ser acessado pelos pesquisadores somente em 2022. Além disso, enfrentaram resistência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para autorizar a importação, até o ano de troca dos governos em que finalmente continuaram com a pesquisa.

A professora explica ainda que pretende dar continuidade à pesquisa, aumentando o tamanho da amostra para pelo menos 200 participantes, além de adotar outras estratégias de adesão dos pacientes, principalmente participantes do sexo feminino, já que as inscritas desistiram de continuar com o tratamento.

“A intenção é identificar um outro grupo, outra universidade, que tope compor o projeto com a gente de modo a fazer o recrutamento e fazer o estudo nesse outro lugar, para que a gente possa aumentar o número de participantes”, completou a docente.

Acesse o artigo científico na íntegra está disponível na revista International Journal of Mental Health and Addiction.

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