Matemático brasileiro ganha grande prêmio científico na França

É o primeiro matemático a receber honraria dada pelo Institut de France e defende nova estratégia no ensino da disciplina

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RIO - O carioca Marcelo Viana, de 54 anos, é o primeiro brasileiro e primeiro matemático do mundo a receber o Grande Prêmio Científico Louis D., principal premiação científica da França, oferecido pelo Institut de France. Viana é diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), instituição que faz pesquisa de ponta e organiza a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, que teve 18 milhões de candidatos em 2015.

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Viana dividirá o prêmio de € 450 mil (cerca de metade do valor pago aos vencedores do Nobel) com o francês François Labourie, da Universidade de Nice. Os recursos financiarão estudo sobre sistemas dinâmicos, em cooperação com pesquisadores franceses.

Crítico do ensino no Brasil, ele falou ao Estado sobre estratégias do Impa para reabilitar a Matemática aos olhos dos estudantes e defende maior controle do Ministério da Educação sobre os cursos de formação de professores. Para ele, a fusão do Ministério da Ciência com o das Comunicações é “simplesmente má ideia”. 

'É desperdício o País investir em professores e eles irem para trás do balcão de banco' Foto: Ana Branco / Agencia O Globo

Ensino de Matemática

“Nossa escola é terrível. Todo o sistema conspira para acabar com o gosto pela Matemática. O professor é um herói. Estamos envolvidos em um projeto ambicioso de expansão do Impa, porque há muito a ser feito pela Matemática no País. A gente faz a olimpíada com crianças do 6.º ano ao fim do ensino médio. Mas o nosso diagnóstico é de que ‘o bicho papão’ começa antes. Queremos incluir alunos de 4.º e 5.º anos, momento em que estão sendo massacrados para perder o gosto pela Matemática. Há muita rejeição, porque a olimpíada promove competição. Mas é fantástica: a garotada se organiza em grupos de estudo; os professores, motivados, ensinam melhor.”

Formação do professor

“A universidade pública presencial forma menos de 5% dos professores. O controle do MEC para particulares é muito deficiente. O exame de ingresso no mestrado profissional da Sociedade Brasileira de Matemática é um balizador. Tem mais de 20 mil candidatos ao ano. Há instituições de formação em que praticamente 100% dos seus egressos zeram a prova. Deveriam ser fechadas. Tem mais uma agravante: essa minoria que vem das universidades públicas não vai para a sala de aula. É desperdício o País investir em formação de professores e irem para trás do balcão de banco. Isso basta para dizer que a formação de professores é catastrófica.”

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Fusão do Ministério de Ciência e Tecnologia com Comunicações

“É artificial. Em time que está ganhando não se mexe. Basta olhar os números da ciência brasileira em 30 anos, desde a fundação do MCTI, para ver que o progresso foi muito forte. Certamente o ministério e o CNPq têm muito a ver com isso. Os efeitos sobre a ciência serão negativos. Todo mundo quer máquina eficiente. Mas alterar a estrutura de um ministério que já deu contribuição enorme ao País é simplesmente má ideia. Espero que seja revertida. Já basta nossa comunidade estar apanhando com cortes de recursos. Ciência tem de ter continuidade.”

O motivo do prêmio

“Sistemas dinâmicos é o ramo da Matemática que estuda os fenômenos que evoluem no tempo. Permite fazer no computador modelagens matemáticas dos fenômenos para poder entender, descrever, prever e controlar o que vai acontecer. Qualquer coisa que muda no tempo é assunto para sistema dinâmico, como o clima. Um exemplo é a volta do cometa Harley, em 1986. Os Estados Unidos queriam enviar uma sonda, mas precisavam economizar combustível. O que fizeram foi usar métodos de sistemas dinâmicos para calcular como enviar a sonda com consumo pequeno de combustível. Em vez de enviar direto para o cometa, jogaram para a Lua. Ela deu a volta na Lua, voltou à Terra e ficou dando voltas, pegando impulso. Até que, finalmente, a sonda saiu em disparada na direção do cometa com a energia que pegou nas voltas da Terra. Meu projeto propõe aperfeiçoar cálculos como esses. É preciso trazer mais e mais ferramentas matemáticas. Temos várias ideias de como usar a noção de probabilidade nos estudos desses problemas.”