Matemáticos provam que Stephen Hawking estava errado sobre buracos negros extremos

Durante décadas, os buracos negros extremos foram considerados matematicamente impossíveis. Uma nova prova revela o contrário

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Por Steve Nadis (Quanta Magazine)
Buracos negros são os extremos mais enigmáticos do cosmos Foto: BlackHoleMath-crKristinaArmitage-HP

Para entender o universo, os cientistas gostam de olhar para suas exceções. “Você sempre quer saber sobre os casos extremos – os casos especiais, que estão no limite”, disse Carsten Gundlach, físico matemático da Universidade de Southampton.

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Os buracos negros são os extremos mais enigmáticos do cosmos. Dentro deles, a matéria fica tão compactada que, de acordo com a teoria geral da relatividade de Einstein, nada consegue escapar. Durante décadas, físicos e matemáticos os utilizaram para investigar os limites de suas ideias sobre gravidade, espaço e tempo.

Mas até mesmo os buracos negros têm casos extremos – e esses casos oferecem outros insights. Os buracos negros giram no espaço. À medida que a matéria cai dentro deles, eles começam a girar mais rápido; se essa matéria tiver carga, eles também se tornam eletricamente carregados. Em princípio, um buraco negro pode chegar ao ponto de ter o máximo de carga ou de rotação possível, dada a sua massa. Esse buraco negro é chamado de “extremo” – o extremo dos extremos.

Esses buracos negros têm algumas propriedades bizarras. Por exemplo: a chamada gravidade superficial no limite, ou horizonte de eventos, de um buraco negro desse tipo é zero. “É um buraco negro cuja superfície não atrai mais as coisas”, disse Gundlach. Mas, se uma partícula fosse levemente empurrada em direção ao centro do buraco negro, ela não conseguiria escapar.

Em 1973, os proeminentes físicos Stephen Hawking, James Bardeen e Brandon Carter afirmaram que os buracos negros extremos não poderiam existir no mundo real – que simplesmente não há nenhuma maneira plausível de eles se formarem. Ainda assim, nos últimos 50 anos, os buracos negros extremos têm servido como modelos úteis na física teórica. “Eles têm simetrias elegantes que facilitam o cálculo”, disse Gaurav Khanna, da Universidade de Rhode Island, e isso permite que os físicos testem teorias sobre a misteriosa relação entre a mecânica quântica e a gravidade.

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Em 1973, Stephen Hawking e dois outros proeminentes físicos levantaram a hipótese de que buracos negros extremos nunca poderiam se formar.  Foto: AFP TV

Agora, dois matemáticos provaram que Hawking e seus colegas estavam errados. O novo trabalho – descrito em dois artigos recentes de Christoph Kehle, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e Ryan Unger, da Universidade de Stanford e da Universidade da Califórnia, em Berkeley – demonstra que não há nada em nossas leis conhecidas da física que impeça a formação de um buraco negro extremo.

Sua prova matemática é “bonita, tecnicamente inovadora e fisicamente surpreendente”, disse Mihalis Dafermos, matemático da Universidade de Princeton (e orientador de doutorado de Kehle e Unger). Isso sugere um universo potencialmente mais rico e variado, onde “buracos negros extremos poderiam existir por aí, astrofisicamente”, acrescentou ele.

Isso não significa que existam. “O fato de haver uma solução matemática com boas propriedades não significa necessariamente que a natureza fará uso dela”, disse Khanna. “Mas, se de alguma forma encontrarmos um desses buracos negros extremos, isso realmente nos fará pensar sobre o que ainda não conhecemos”. Essa descoberta, observou ele, tem o potencial de levantar “questões bastante radicais”.

A lei da impossibilidade

Antes da prova de Kehle e Unger, havia boas razões para se acreditar que os buracos negros extremos não poderiam existir.

Em 1973, Bardeen, Carter e Hawking apresentaram quatro leis sobre o comportamento dos buracos negros. Elas se assemelhavam às quatro leis da termodinâmica estabelecidas muito tempo atrás – um conjunto de princípios sacrossantos que afirmam, por exemplo, que o universo vai ficando mais desordenado com o passar do tempo e que a energia é algo que não se pode criar nem destruir.

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Christoph Kehle, um matemático do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, refutou recentemente uma conjectura de 1973 sobre buracos negros extremos. Foto: Dan Komoda/Institute for Advanced Study.

Em seu artigo, os físicos provaram as três primeiras leis da termodinâmica dos buracos negros: a zero, a primeira e a segunda. Por extensão, eles presumiram que a terceira lei (assim como as leis da termodinâmica padrão) também seria verdadeira, embora ainda não conseguissem prová-la.

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Essa lei afirma que a gravidade da superfície de um buraco negro não pode diminuir para zero em um período finito de tempo – em outras palavras, que não há como criar um buraco negro extremo. Para apoiar sua afirmação, o trio argumentou que qualquer processo que permitisse que a carga ou o spin de um buraco negro atingisse o limite extremo também poderia resultar no desaparecimento total de seu horizonte de eventos. Acredita-se que os buracos negros sem horizonte de eventos, chamados de singularidades nuas, não podem existir. Além disso, como se sabe que a temperatura de um buraco negro é proporcional à gravidade de sua superfície, um buraco negro sem gravidade na superfície também não teria temperatura. Esse buraco negro não emitiria radiação térmica – algo que, tempos depois, Hawking propôs que os buracos negros precisavam fazer.

Em 1986, um físico chamado Werner Israel pareceu encerrar a questão publicando uma prova da terceira lei. Digamos que você queira criar um buraco negro extremo a partir de um normal. Você pode tentar fazê-lo girar mais rápido ou adicionar mais partículas carregadas. A prova de Israel pareceu demonstrar que fazer isso não poderia forçar a gravidade da superfície do buraco negro a cair a zero em um período finito de tempo.

Como Kehle e Unger acabariam descobrindo, o argumento de Israel escondia uma falha.

A morte da terceira lei

Kehle e Unger não tinham a intenção de encontrar buracos negros extremos. Eles tropeçaram no tema totalmente por acaso.

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Eles estavam estudando a formação de buracos negros eletricamente carregados. “Aí percebemos que poderíamos fazer um buraco negro para todas as proporções de carga e massa”, disse Kehle. Isso incluía o caso em que a carga é a mais alta possível, marca registrada dos buracos negros extremos.

Depois de provar que buracos negros extremos altamente carregados são matematicamente possíveis, Ryan Unger, da Universidade de Stanford, agora está tentando mostrar que os que giram rapidamente também são. Mas esse é um problema muito mais difícil. Foto: Dimitris Fetsios

Dafermos reconheceu que seus ex-alunos haviam descoberto um contraexemplo à terceira lei de Bardeen, Carter e Hawking: eles demonstraram que poderiam de fato transformar um buraco negro típico em um buraco negro extremo em um período finito de tempo.

Kehle e Unger começaram com um buraco negro que não gira e não tem carga e modelaram o que poderia acontecer se ele fosse colocado em um ambiente mais simples, chamado campo escalar, que pressupõe um fundo de partículas uniformemente carregadas. Aí eles bombardearam o buraco negro com pulsos do campo para aumentar sua carga.

Esses pulsos também deram energia eletromagnética ao buraco negro, o que aumentou sua massa. Ao enviar pulsos difusos de baixa frequência, os matemáticos perceberam que poderiam aumentar a carga do buraco negro mais rápido do que sua massa – exatamente o que eles precisavam para completar sua prova.

Depois de discutir o resultado com Dafermos, eles se debruçaram sobre a prova de Israel e identificaram o erro. Eles também construíram duas outras soluções para as equações da relatividade geral de Einstein que envolviam diferentes maneiras de adicionar carga a um buraco negro. Ao refutar a hipótese de Bardeen, Carter e Hawking em três contextos diferentes, o trabalho não deixa dúvidas, disse Unger: “A terceira lei está morta”.

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A dupla também mostrou que a formação de um buraco negro extremo não abriria a porta para uma singularidade nua, como os físicos temiam. Em vez disso, buracos negros extremos parecem estar em um limite crucial: se você adicionar a quantidade certa de carga a uma nuvem densa de matéria carregada, ela vai entrar em colapso para formar um buraco negro extremo. Se você adicionar mais do que isso, a nuvem vai se dispersar, em vez de entrar em colapso em uma singularidade nua. Não vai se formar um buraco negro. Kehle e Unger estão tão animados com esse resultado quanto com sua prova de que buracos negros extremos podem existir.

“É um belo exemplo de retribuição da matemática à física”, disse Elena Giorgi, matemática da Universidade de Columbia.

O impossível se faz visível

Embora Kehle e Unger tenham provado que é teoricamente possível que buracos negros extremos existam na natureza, não há garantia de que eles de fato existam.

Para começo de conversa, os exemplos teóricos possuem carga máxima. Mas buracos negros com carga discernível nunca foram observados. É muito mais provável ver um buraco negro que esteja girando rapidamente. Kehle e Unger querem construir um exemplo que atinja o limite extremo para spin, em vez de carga.

Mas trabalhar com spin é muito mais desafiador matematicamente. “Você precisa de muita matemática nova e ideias novas para fazer isso”, disse Unger. Ele e Kehle estão só começando a investigar o problema.

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Enquanto isso, uma melhor compreensão dos buracos negros extremos pode fornecer mais insights sobre buracos negros quase extremos, que são considerados abundantes no universo. “Einstein não achava que buracos negros pudessem existir de verdade, [porque] eles são muito esquisitos”, disse Khanna. “Mas agora sabemos que o universo está cheio de buracos negros”.

Por razões semelhantes, acrescentou ele, “não devemos desistir dos buracos negros extremos. Não quero colocar limites na criatividade da natureza”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em Computer Scientists Prove That Heat Destroys Quantum Entanglement.

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