Modelos 3D resgatam pré-história do RS

Pesquisadores da federal do RS revelam formas e movimentos de animais extintos com computação gráfica; projeto enfrenta dificuldades

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SÃO PAULO - A computação gráfica, que vem promovendo uma revolução na paleontologia, já é usada há mais de 10 anos por cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para estudar fósseis de animais pré-históricos encontrados em território gaúcho e desvendar aspectos de suas vidas que pareciam inacessíveis à ciência, como movimentos, força da mordida, peso, massa muscular e capacidades sensoriais. Clique aqui para ver infográfico.

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Juntos, especialistas em paleontologia, escultura digital e design gráfico se uniram, a partir de 2006, para produzir reconstruções minuciosas dos animais extintos há milhões de anos, recorrendo a tomografias computadorizadas e outros métodos. A iniciativa faz parte do projeto O Rio Grande do Sul no Tempo dos Dinossauros, criado três anos antes por cientistas do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia da UFRGS, inicialmente para produzir materiais didáticos e de divulgação. O projeto, no entanto, encontra dificuldades para captar recursos e seguir adiante, de acordo com seu coordenador, o paleontólogo Cesar Schultz, do Instituto de Geociências da UFRGS.

Segundo Schultz, as reconstituições computadorizadas dos animais, feitas com base em rigorosa pesquisa, não servem apenas para chamar a atenção do público e estimular a divulgação científica – embora esse fosse o objetivo original do projeto –, mas são de fato um novo recurso para produzir avanços no conhecimento científico.

O 'Staurikosaurus pricei' foi um dos primeiros dinossauros, há 225 milhões de anos. Tinha 1,5 m e 70 kg Foto: Cesar Schultz/UFRGS

“A reconstituição digital dos fósseis abre inúmeras possibilidades para a paleontologia. A partir da digitalização de ossos é possível montar esqueletos inteiros de animais extintos, incluir pedaços que faltam ou corrigir pequenas falhas. Com isso, podemos analisar e calcular fatores como o modo de andar ou correr dos animais”, disse Schultz ao Estado.

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Segundo ele, os modelos digitais também facilitam a fabricação de réplicas e o compartilhamento de informações entre cientistas de diferentes instituições. “Quando substituímos os tradicionais moldes de silicone pela computação gráfica, podemos usar impressões 3D para reproduzir cópias perfeitas em qualquer escala. Com isso, podemos enviar o modelo para ser estudado por especialistas em qualquer parte do mundo, sem expor os fósseis originais a riscos”, explicou.

Para obter os modelos digitais, os cientistas da UFRGS usam fotografias digitais trabalhadas em softwares gráficos e leituras com scanner a laser. Mas utilizam também a tomografia computadorizada de varredura digital tridimensional a laser que, segundo Schultz, está promovendo uma revolução na paleontologia.

“Com essa técnica, temos acesso às partes internas dos fósseis e podemos ver o interior das cavidades cranianas, por exemplo, para avaliar a forma e o volume do cérebro, as rotas de passagem dos nervos e os vasos sanguíneos”, explicou. Segundo ele, graças a esse tipo de recurso foi possível, por exemplo, analisar cavidades cerebrais de dinossauros e comprovar seu parentesco com as aves.

Articulações. Os modelos 3D produzidos pelos cientistas permitem que eles façam testes e análises biomecânicas de todas as articulações dos ossos dos animais, para reconstituir seus movimentos possíveis. “Essas imagens e animações são na verdade modelos tridimensionais muito precisos. Com eles, podemos olhar qualquer um desses animais de qualquer ângulo e eventualmente criar modelos tridimensionais físicos.”

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Além dos paleontólogos, a equipe multidisciplinar inclui o especialista em escultura digital Adolfo Bittencourt, do Instituto de Artes da UFRGS, e uma equipe de artistas e animadores que cuida da modelagem e texturização das reconstituições.

Segundo Schultz, no Brasil, o Rio Grande do Sul concentra praticamente todo o registro de fósseis de vertebrados dos períodos Permiano Superior e Triássico – de 260 milhões a 200 milhões de anos atrás, antes de os dinossauros dominarem a Terra.

“A importância científica desses fósseis é muito grande, por isso decidimos fazer o projeto e empregar os recursos computacionais. Além dos avanços científicos que proporcionam, as reconstituições são uma forma valiosa de divulgação científica”, afirmou.

Dificuldades. Apesar da longa experiência dos pesquisadores da UFRGS no aprimoramento de reconstituições dos animais pré-históricos, o projeto encontra dificuldades para avançar. 

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Segundo Schultz, o próximo passo é usar os fósseis digitalizados para lançar um documentário semelhante ao Caminhando com os Dinossauros, produzido pela rede britânica BBC, além de desenvolver um catálogo online, de acesso público, dos principais fósseis do acervo da UFRGS. Mas só a primeira fase do projeto, iniciada em 2003, obteve recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“Enviamos um outro projeto de financiamento ao CNPq, mas não foi aceito. Para fazer o documentário, seria preciso adquirir os equipamentos, como tomógrafos, scanners e impressoras 3D, que são caros. Seria preciso também reconstituir a paisagem pré-histórica em áreas externas. Infelizmente, esse projeto está suspenso”, disse o cientista.

Realismo. De acordo com Cesar Schultz, uma das primeiras e mais conhecidas aplicações da computação gráfica para a reconstituição precisa de animais pré-históricos foi o filme que deu início à franquia Jurassic Park, lançado em 1993. Além de fascinar os espectadores com a reprodução realista dos dinossauros e de arrecadar mais de US$ 900 milhões, o filme é um exemplo de como os modelos computacionais podem contribuir para o avanço da ciência.

“Ninguém sabia até ali como se movia um Tyranosaurus rex. Ele era retratado em livros e museus com uma postura quase ereta, com a coluna em ângulo de 45° e a cauda se arrastando no chão”, disse Schultz. Quando os técnicos em computação gráfica do filme fizeram a modelagem dos dinossauros, demonstraram, por meio de modelos biomecânicos, que essa postura tradicional era inviável. “Eles viram que o T-Rex só poderia andar com a coluna paralela ao solo”, disse o cientista.

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Graças à descoberta feita nos modelos computacionais, segundo Schultz, o Museu Americano de História Natural decidiu, pouco antes da estreia do filme, interditar o esqueleto completo de T-Rex – que é uma de suas principais atrações –, para que ele fosse remontado na postura realista, igual à que viria a aparecer no filme.

“Podemos estimar os movimentos de um dinossauro pequeno comparando-os com os de um avestruz. Mas só com modelos 3D foi possível estudar a biomecânica do T-Rex. Por isso o filme foi revolucionário.”

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