Nobel de Física: brasileiro atuou com vencedora. ‘Técnica resolverá problemas que ainda nem existem’

Anderson Gomes é professor da Universidade Federal de Pernambuco, escreveu artigos com Anne L’Huillier; ela e mais dois colegas foram homenageados por revolucionar as pesquisas sobre elétrons

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Foto do author Roberta Jansen
Atualização:

ntegrante da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o físico Anderson Gomes trabalhou, na França, com a pesquisadora francesa Anne L’Huillier, uma das agraciadas nesta terça-feira, 3, com o Nobel de Física. Gomes chegou a assinar dois estudos com Anne; pesquisas iniciais do trabalho que acabou levando ao prêmio.

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“Publiquei dois artigos, no início dos anos 1990, com a (Anne) L’Huillier e sua equipe, fruto de uma cooperação internacional entre o Brasil e a França”, contou Gomes. “Ela era uma física teórica que foi para o laboratório aprender. Trabalhamos juntos. Foram artigos pioneiros neste tema que ela viria a desenvolver depois”, diz.

O Nobel de Física deste ano foi concedido a Pierre Agostini, da Universidade do Estado de Ohio (EUA); Ferenc Krausz, diretor do Instituto Max Planck de Quântica Óptica (Alemanha); e Anne L´Huillier, professora da Universidade Lund (Suécia); por suas pesquisas que “concederam à humanidade novas ferramentas para explorar o mundo dos elétrons dentro dos átomos e moléculas”.

Anne L'Huillier é a 5ª mulher a levar prêmio Nobel de Física, concedido desde 1901 Foto: Bertil Ericson/AP

O movimento dos elétrons dentro dos átomos e moléculas é tão rápido que é medido em attossegundos. Os experimentos conduzidos pelos três especialistas demostraram que os pulsos de attossegundos podem ser observados e medidos, nas palavras do comitê.

Presidente do Comitê de Física do Nobel, Eva Olsson afirmou, em entrevista coletiva nesta manhã, que a ciência do attossegundo “nos permite entender questões fundamentais como a escala do tempo do efeito fotoelétrico pelo qual Albert Einstein recebeu o Nobel de Física em 1921″.

Um attossegundo é um milionésimo de trilionésimo de segundo. Para se ter uma ideia, o número de attossegundos contidos em um segundo é o mesmo número de segundos já passados desde o início do Universo, há 13,8 bilhões de anos, de acordo com a Real Academia Sueca de Ciências, responsável por conceder o prêmio.

“Agora que o mundo dos attossegundos se tornou acessível”, escreveram os membros do comitê em uma rede social, “esses curtos pulsos de luz podem ser usados para estudar o movimento dos elétrons”.

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Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier criaram flashes de luz curtos o suficientes para captar os movimentos extremamente rápidos dos elétrons, que “permitiram a investigação de processos tão rápidos que, até então, eram impossíveis de ser acompanhados”, segundo o comitê.

“É uma área muito difícil de traduzir para o público leigo. Trata-se de pesquisa básica que não tem ainda muitas aplicações”, constatou o professor Gustavo Canal, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).

E, como boa pesquisadora da ciência básica, Anne sabe que a aplicação prática das suas descobertas podem levar um tempo. “Ela não estava preocupada com resultados imediatos, mas em desenvolver algo que 30, 40 anos depois lhe rendeu um prêmio pelo conjunto da obra”, afirma Gomes.

“Imagina o The Flash”, compara Canal, em referência ao herói dos quadrinhos conhecidos pela velocidade. “A gente vê o rastro atrás dele e entende que ele está em altíssima velocidade. Por quê? Quando fazemos uma foto, a câmera abre uma janela de exposição para capturar a imagem e, em seguida, a fecha, concluindo a foto. Mas nesse intervalo em que abre e fecha, o objeto fotografado precisa estar imóvel. Se estiver se movendo numa velocidade maior que a do abrir e fechar da câmera, o resultado da imagem será um borrão”, descreve.

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“Até o trabalho dos três, a gente não conseguia ver o elétron, só o borrão. Quanto mais rápido o objeto, mais rápido precisa ser o abrir e fechar da câmera para que consigamos captar uma imagem precisa, e não um borrão. Foi isso que eles conseguiram fazer”, explica o pesquisador da USP.

De acordo com o comitê, o trabalho dos laureados abre caminho para aplicações em áreas como a eletrônica e a medicina de diagnóstico. “Eu costumo dizer, nesses casos, que eles têm uma solução a procura de um problema; uma técnica que ajuda a resolver problemas que ainda nem existem”, afirma Anderson Gomes.

“Como no prêmio de Medicina (que homenageou este ano os criadores da vacina de RNAm, uma das principais responsáveis por salvar a humanidade da covid-19): quando o problema apareceu, a pandemia, as ferramentas já estavam disponíveis. Já sabiam como fazer uma vacina.”

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