Nobel de Física: ganhadores lançam as bases para uma ‘nova era da tecnologia quântica’; entenda

As pesquisas dos cientistas laureados nesta terça-feira, 4, abriram caminho para uma nova geração de computadores e também para sistemas de criptografia invioláveis

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Foto do author Roberta Jansen
Atualização:

O Prêmio Nobel de Física de 2022 foi concedido nesta terça-feira, 4, aos cientistas Alain Aspect, John F. Clauser e Anton Zeilinger. Os três foram reconhecidos pelos trabalhos conduzidos de forma independente que “lançaram as bases para uma nova era da tecnologia quântica”, nas palavras do comitê organizador da premiação. As pesquisas abriram caminho para uma nova geração de computadores e também para sistemas de criptografia invioláveis.

A mecânica quântica descreve o comportamento das partículas subatômicas. Trata-se de um campo da ciência que só começou a ser explorado no início do século 20. O trabalho dos laureados é baseado especificamente em um dos aspectos mais importantes dessa física, a noção de emaranhamento (ou entrelaçamento) quântico.

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O emaranhamento acontece quando duas ou mais partículas – geralmente fótons, as partículas de luz – se apresentam fortemente conectadas mesmo sem estarem fisicamente ligadas, mesmo quando estão a grandes distâncias. Esse estado compartilhado pode estar relacionado à energia das partículas.

O estranho fenômeno foi chamado por Albert Einstein de “uma ação fantasmagórica à distância”. Muitos anos depois, por causa provavelmente dessa característica “fantasmagórica”, o entrelaçamento foi apropriado por místicos de diversas vertentes. Momentaneamente, foi deixado de lado por físicos mais respeitados.

“O emaranhamento envolve correlações mais fortes do que as correlações clássicas”, explicou o físico Luiz Davidovich, professor emérito da UFRJ, ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências. “Tanto é assim que, se tentarmos estudar as correlações quânticas com a física clássica, não conseguimos. E isso não é algo trivial. O próprio Einstein tentou explicar o fenômeno com a física clássica, com a hipótese das variáveis escondidas.”

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As pesquisas dos laureados partiram do trabalho teórico de John Stewart Bell. Este físico, nos anos 60, se dedicou a entender como partículas separadas por grandes distâncias – a ponto de não poder haver uma comunicação normal entre elas - continuavam funcionando em sincronia. As experiências posteriormente conduzidas por Aspect, Clauser e Zeilinger demonstraram que o fenômeno era real e poderia ter aplicações práticas.

“John Bell fez um teorema, que é um dos mais importantes da física quântica, que foi ignorado durante muito tempo”, contou Davidovich. “Aspect e Clauser fizeram experimentos com pares de fótons e demonstraram que, de fato, a física clássica não poderia explicar o fenômeno.”

Mas não foi fácil. Quando Aspect, na época um estudante de doutorado, contou a John Bell que pretendia realizar o experimento proposto, a resposta do físico mais velho foi surpreendente: “Não faça isso não, você vai acabar com a sua carreira, ninguém mais vai te levar a sério.”

Embora fosse apenas um estudante, Aspect enfrentou a comunidade científica em geral e o próprio Bell para conseguir realizar o experimento. “Vou seguir nesse caminho, mesmo que isso signifique que nunca vou ter um emprego”, teria dito.

Clauser foi na mesma linha e aperfeiçoou o experimento. Zeilinger avançou ainda mais, trabalhando com estados emaranhados envolvendo não apenas dois fótons, mas vários, a distâncias cada vez maiores.

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Anúncio dos vencedores do Nobel de Física 2022 Foto: Jonathan Nackstrand/AFP

Algumas das experiências de Zeilinger feitas nos anos 2000 ficaram bem famosas. Ele demonstrou as correlações das partículas a grandes distâncias. Como de uma margem à outra do Rio Danúbio, na Áustria, e entre ilhas do Oceano Atlântico separadas por mais de cem quilômetros.

Professora do Instituto de Física da UFRJ, Gabriela Barreto Lemos fez pós-doutorado na Áustria, entre 2012 e 2016, com Zeilinger.

“O trabalho dos três foi essencial para essa nova fase de tecnologias quânticas que estamos vivendo atualmente e que vai transformar a vida das pessoas”, contou Gabriela Lemos.

“E é importante dizer que são trabalhos de física básica. Atualmente, há uma pressão para que apenas trabalhos que possam ser imediatamente transformados em tecnologia sejam financiados. Esses três jamais teriam feito essas pesquisas sob esse tipo de pressão. Os trabalhos, originalmente, não tinham uma aplicação, eram trabalhos de física básica, focados no desenvolvimento da ciência, na compreensão do mundo.”

Computação quântica

Duas áreas em especial vêm recebendo muita atenção atualmente. Uma delas é a computação quântica, que promete um salto considerável na solução de problemas complexos.

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A outra é a criptografia – produção de códigos de segurança para proteger informações. O uso dos princípios do “emaranhamento quântico” permite criar sistemas invioláveis. Segundo especialistas, para violar esses sistemas teria que ser possível violar as próprias leis da física.

“Por muito tempo os fundamentos da física quântica foram considerados maluquice, quem trabalhava com isso era considerado biruta”, lembrou o professor Rafael Chaves, do Instituto Internacional de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

“Hoje, a teoria quântica tem um papel central para revolucionar a tecnologia e a forma como processamos informação. Mesmo em comparação ao maior dos nossos supercomputadores atuais, a física quântica é mais eficiente. Ela fecha um ciclo da ciência básica à aplicada.”

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