O problema dos três corpos não é apenas o nome da nova série popular na Netflix e do livro de ficção científica chinesa que deu origem ao drama. Na verdade, trata-se, até hoje, de um dos grandes enigmas da astrofísica, que já desafiou algumas das maiores mentes científicas em todo o mundo nos últimos dois séculos.
A história criada pelo escritor Cixin Liu tem como ponto de partida o enigma da astrodinâmica. O problema surgiu logo que o físico britânico Isaac Newton formulou, em meados do século 17, a Lei da Gravitação Universal, segundo a qual todo corpo é atraído por outro com uma força proporcional a sua massa e inversamente proporcional à distância entre os dois centros ao quadrado.
Dessa forma, por meio de uma equação matemática relativamente simples, foi possível estabelecer com precisão, por exemplo, o movimento da Terra em torno do Sol e da Lua ao redor do nosso planeta. Entretanto, em outras partes do Universo, existem sistemas orbitais compostos por mais de dois corpos celestes. E foi justamente ai que o problema surgiu.
A matemática capaz de determinar as órbitas de dois corpos simplesmente não funcionava em sistemas maiores. Com três ou mais corpos, o sistema apresenta tantas variáveis que é impossível calcular suas órbitas com um mínimo de precisão. Pequeníssimas alterações provocam grandes mudanças.
“Como no Universo, de forma geral, as coisas não são tão simples, o próximo passo seria adicionar mais um corpo nessa equação, mas logo perceberam que não havia solução. Era o que chamamos de um problema caótico”, explica a astrônoma Roberta Duarte, doutoranda em Astrofísica da Universidade de São Paulo (USP).
“Principalmente na astronomia, essa é uma questão muito importante porque no Universo há muitos sistemas com três ou mais corpos”, acrescenta a pesquisadora.
(Esse mesmo princípio serviria, mais tarde, de base para a teoria do caos, que ficou conhecida do público leigo por conta do chamado “efeito borboleta”, segundo a qual alguns sistemas têm tantas variáveis que se tornam caóticos e imprevisíveis)
Por cerca de 200 anos, matemáticos e físicos tentaram, em vão, uma solução para o problema até que, em 1890, o físico e matemático francês Henri Poincaré concluiu que, simplesmente, não havia uma solução geral possível. Recentemente, cientistas começaram a usar a inteligência artificial em uma nova tentativa de chegar a uma solução.
No caso da série da Netflix, um planeta habitado por uma civilização alienígena, San-Ti, tem três estrelas de tamanhos semelhantes. Quando o planeta gira em torno de um sol, é uma era estável. Mas quando ele é arrebatado por outro sol, ele perambula num campo gravitacional que sofre a intervenção das três estrelas simultaneamente, e é uma era caótica.
Os alienígenas da trama são muito mais avançados do que os terráqueos, mas nem assim conseguiram resolver o enigma dos três corpos – o que possibilitaria prever com antecipação a órbita de seu planeta. Por conta disso, resolvem abandonar o lar instável e se mudar para a Terra, o ponto de partida da nova série.
A solução do problema dos três corpos teria outras aplicações importantes. Por exemplo, a previsão do tempo é considerada um sistema caótico.
“A previsão do tempo é um problema caótico porque qualquer alteração mínima na natureza pode afetar muito o resultado final”, continua Roberta, da USP. “Por isso, a previsão do tempo tem no máximo quinze dias e, mesmo assim, é imprecisa.”
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