QUANTA MAGAZINE - Sempre que você está executando alguma tarefa – digamos, levantando pesos na academia ou fazendo uma prova difícil – as partes do cérebro necessárias para realizá-la ficam “ativas”, com os neurônios intensificando sua atividade elétrica. Mas será que o cérebro fica ativo mesmo quando você está só distraído no sofá?
A resposta, descobriram os pesquisadores, é sim. Nas últimas duas décadas, eles definiram o que é conhecido como rede de modo padrão, uma coleção de áreas cerebrais aparentemente não relacionadas que ficam ativas quando você não está fazendo nada. A descoberta dessa rede trouxe insights sobre como o cérebro funciona quando não está dedicado a tarefas bem definidas e também levou à investigação sobre o papel das redes cerebrais – e não apenas das regiões cerebrais – na organização da nossa experiência interna.
No final do século 20, neurocientistas começaram a utilizar novas técnicas e exames para obter imagens do cérebro de pessoas enquanto elas realizavam tarefas específicas. Como esperado, a atividade em certas áreas do cérebro aumentava durante as tarefas – e, para surpresa dos pesquisadores, a atividade em outras áreas do cérebro diminuía simultaneamente. Os neurocientistas ficaram intrigados com o fato de que, durante uma ampla variedade de tarefas, as mesmas áreas cerebrais ficavam consistentemente menos ativas.
Era como se essas áreas ficassem ativas quando a pessoa não estava fazendo nada e depois desligassem quando a mente precisava se concentrar em algo externo.
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Os pesquisadores chamaram essas “áreas de tarefa negativa”. Quando foram identificadas, Marcus Raichle, neurologista da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, em St. Louis, suspeitou que essas áreas desempenhavam um papel importante na mente em repouso. “Surgiu a pergunta: ‘Qual é a atividade cerebral de base?’”, lembrou Raichle. Em certo experimento, ele pediu que as pessoas fechassem os olhos e simplesmente deixassem a mente vagar enquanto ele media sua atividade cerebral com exames de imagem.
Ele descobriu que durante o repouso, quando nos voltamos mentalmente para dentro, as áreas de tarefa negativa usam mais energia do que o resto do cérebro. Em um artigo de 2001, ele chamou essa atividade de “modo padrão de função cerebral”. Dois anos depois, após gerar dados com maior resolução, uma equipe da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford descobriu que essa atividade de tarefa negativa estabelecia uma rede de regiões cerebrais em interação, que eles chamaram de rede de modo padrão.
A descoberta da rede de modo padrão despertou a curiosidade dos neurocientistas sobre o que o cérebro faz quando não tem uma tarefa focada no ambiente ao redor. Embora alguns pesquisadores acreditassem que a principal função da rede era gerar nossa experiência de divagação mental ou devaneio, surgiram muitas outras interpretações. Talvez ela controlasse fluxos de consciência ou ativasse memórias de experiências passadas. E se levantou a hipótese de que a disfunção na rede de modo padrão seria uma possível característica de quase todos os distúrbios psiquiátricos e neurológicos, como depressão, esquizofrenia e doença de Alzheimer.
Desde então, uma enxurrada de pesquisas sobre o modo padrão complicou esse entendimento inicial. “Tem sido muito interessante ver os diferentes tipos de tarefas e paradigmas que envolvem a rede de modo padrão nos últimos vinte anos”, disse Lucina Uddin, neurocientista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
A rede de modo padrão foi uma das primeiras redes cerebrais identificadas pela ciência. Ela consiste em um punhado de regiões cerebrais, abarcando algumas na parte frontal do cérebro, como os córtices pré-frontais ventromedial e dorsolateral, e outras áreas espalhadas por todo o órgão, como o córtex cingulado posterior, o pré-cúneo e o giro angular. Essas regiões estão associadas à memória, à reprodução de experiências, à previsão, ao cálculo para tomada de ação, ao mecanismo de recompensa/punição e à integração de informações.
Desde sua descoberta, os neurocientistas identificaram mais um punhado de redes distintas, cada uma ativando áreas aparentemente díspares do cérebro. Essas áreas ativadas não agem de maneira independente, elas se trabalham em sincronia umas com as outras. “Uma orquestra sinfônica não é formada só por violinos e oboés”, disse Raichle. Da mesma forma, as partes individuais de uma rede cerebral interagem para provocar efeitos que só podem produzir juntas.
De acordo com as pesquisas, alguns dos efeitos da rede de modo padrão são a divagação mental, a lembrança de experiências passadas, o pensamento sobre os estados mentais dos outros, a imaginação do futuro e o processamento da linguagem. Embora possa parecer um conjunto de aspectos não relacionados da cognição, Vinod Menon, diretor do Laboratório de Neurociência Cognitiva e de Sistemas de Stanford, recentemente teorizou que todas essas funções podem ser úteis na construção de uma narrativa interna. Na sua opinião, a rede de modo padrão nos ajuda a pensar sobre quem somos em relação aos outros, relembrar nossas experiências passadas e depois resumir tudo isso em uma narrativa coerente para nós mesmos.
O modo padrão é uma coisa complicada; participa de muitos processos diferentes que não conseguimos descrever com clareza. “É meio bobo achar que algum dia vamos dizer: ‘Esta região cerebral ou rede cerebral faz isto’”, disse Uddin. “Não acho que seja assim que funcione”.
Uddin começou a investigar a rede de modo padrão porque estava interessada no autorreconhecimento – e muitas tarefas de autorreconhecimento, como identificar o próprio rosto ou a própria voz, pareciam estar associadas à rede. Nos últimos anos, ela voltou a atenção para as interações entre as redes cerebrais. Assim como diferentes áreas do cérebro interagem entre si para formar redes, diferentes redes interagem entre si de maneiras significativas, disse Uddin. “Em alguns aspectos, é mais elucidativo estudar as interações de redes do que apenas uma rede isolada, porque elas trabalham juntas e depois se separam e mudam o que estão fazendo ao longo do tempo”.
Ela está particularmente interessada em como a rede de modo padrão interage com a rede de saliência, que parece nos ajudar a identificar a informação mais relevante em dado momento. Seu trabalho sugere que a rede de saliência detecta quando é importante prestar atenção em alguma coisa e então atua como um interruptor para desligar a rede de modo padrão.
Os pesquisadores também vêm examinando se distúrbios de saúde mental, como a depressão, têm a ver com problemas na rede de modo padrão. Até agora, as descobertas foram inconclusivas. Em pessoas com depressão, por exemplo, alguns pesquisadores descobriram que os nós da rede estão ligados com muita força, enquanto outros descobriram o oposto – que os nós não conseguem se ligar. E, em alguns estudos, a rede de modo padrão em si não é anormal, mas suas interações com outras redes são. Essas descobertas podem parecer incompatíveis, mas estão alinhadas com descobertas recentes de que a depressão talvez seja um conjunto de diferentes distúrbios que apresentam sintomas semelhantes.
Enquanto isso, Menon desenvolveu o que chama de teoria da rede tripla. Ele postula que interações anormais entre a rede de modo padrão, a rede de saliência e uma terceira rede, chamada rede frontoparietal, poderiam contribuir para distúrbios de saúde mental, como esquizofrenia, depressão, ansiedade, demência e autismo. Normalmente, a atividade da rede de modo padrão diminui quando alguém presta atenção a um estímulo externo, ao passo que a atividade nas outras duas redes aumenta. Esse jogo de empurra-e-puxa entre redes pode não funcionar da mesma forma em pessoas com problemas psiquiátricos ou de desenvolvimento, suspeita Menon.
Deanna Barch, que estuda a neurobiologia das doenças mentais na Universidade de Washington, em St. Louis, está intrigada com a teoria da rede tripla. Investigar como as redes se interligam de maneiras diferentes em pessoas com transtornos mentais pode ajudar os pesquisadores a encontrar mecanismos subjacentes e desenvolver tratamentos, disse ela. No entanto, ela não acha que as interações de redes por si só explicarão completamente as doenças mentais. “Penso em compreender as diferenças de conectividade como ponto de partida”, disse Barch. “Não como ponto de chegada”.
O entendimento atual sobre a rede de modo padrão certamente também não é o ponto de chegada. Desde sua descoberta, essa rede tem levado neurocientistas a pensar além das responsabilidades de regiões cerebrais específicas, na tentativa de compreender os efeitos das interações entre redes cerebrais. E isso levou muitas pessoas a estudar as atividades cerebrais focadas no interior da mente: mesmo quando estamos descansando ou sonhando acordado, nosso cérebro trabalha arduamente para que isso aconteça. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
História original republicada com permissão da Quanta Magazine, uma publicação editorialmente independente apoiada pela Simons Foundation. Leia o conteúdo original em What Your Brain Is Doing When You’re Not Doing Anything.
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