Paleontólogo brasileiro descobre cérebro preservado em fóssil de peixe com 319 milhões de anos

Estrutura, achada originalmente na Inglaterra, conserva nervos cranianos e tecido meníngeo; cientista atua na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos

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Por Stéphanie Araujo
Atualização:

Uma pesquisa liderada por um cientista brasileiro, o carioca Rodrigo Figueroa, da Universidade de Michigan (EUA), identificou em um crânio de peixe vertebrado fossilizado há 319 milhões de anos, o mais antigo cérebro preservado no grupo dos peixes ósseos. O fóssil retirado há 100 anos de uma mina de carvão na Inglaterra contém toda a sua estrutura intacta, as divisões, os nervos cranianos e o tecido meníngeo.

O estudo publicado na revista Nature nesta quarta-feira, pode reestruturar a ideia da evolução dos peixes raiados e dar uma nova perspectiva aos biólogos sobre a anatomia neural do grupo, que tem hoje alguns modelos utilizados em estudos genéticos evolutivos, como por exemplo, o peixe-zebra.

O crânio fossilizado de Coccocephalus wildi, um peixe de barbatanas de arraia que nadou em um estuário há 319 milhões de anos. Este peixe teria de 6 a 8 polegadas de comprimento, mais ou menos do tamanho de um lambari. Foto: Jeremy Marble/University of Michigan News.

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O crânio estudado pertence a um animal já extinto que tem o tamanho de um lambari. O Coccocephalus wildi é um peixe com nadadeiras raiadas que contém espinha dorsal e barbatanas sustentadas por hastes ósseas chamadas raios. O material se manteve preservado por causa de um mineral denso que substituiu os tecidos moles do cérebro durante a fossilização e resguardou detalhadamente sua estrutura tridimensional.

A suspeita é de que ele tenha sido soterrado por sedimentos após a morte e por conta da falta de oxigênio a decomposição das partes moles tenham sido desaceleradas.

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“A gente estava tentando analisar a anatomia desses peixes. Estávamos fazendo tomografia computadorizada de vários crânios desse tipo de animal e, por acaso, acabamos encontrando esse tipo de preservação excepcional” disse Figueroa.

A pesquisa faz parte do doutorado de Figueiroa, orientado pelo professor Matt Friedman. Além dos dois, outros pesquisadores da Universidade de Chicago (EUA) e da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, participaram do estudo e também assinaram o artigo.

A tomografia computadorizada (TC) utilizada para examinar o interior do crânio dos peixes permite que a análise dos detalhes na anatomia seja feita sem a destruição da espécime, emprestada a Friedman pelo Manchester Museum, na Inglaterra.

Além desse empréstimo, Figueroa e Friedman trabalham com tomografia computadorizada de crânios fósseis de outras espécies de nadadeiras raiadas. Algumas de instituições brasileiras, como o Centro Paleontológico da Universidade do Contestado (CENPALEO), em Mafra, Santa Catarina.

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Para Figueiroa, a descoberta mostra que, na origem do grupo de peixes raiados, eles já tinham o mesmo tipo de cérebro encontrado nos vertebrados atuais, o que inclui humanos e outros animais terrestres. “Está fazendo essa mudança do que a gente entendia da evolução do cérebro desse grupo, mostrando que vamos ter de reescrever um pouco a parte de evolução do cérebro nos livros didáticos”, diz.

São cerca de 40 mil espécies de peixes com nadadeiras raiadas, que representam metade da diversidade dos animais vertebrados, ou seja, com espinha dorsal, em um grupo que inclui anfíbios, répteis, mamíferos, humanos e diversos peixes. “É bastante importante de ser trabalhado, principalmente questões evolutivas, para tentarmos entender um pouco de como chegamos nesse grupo tão diverso e bem sucedido”, afirma Figueroa.

O pesquisador explica que o crânio do Coccocephalus foi estudado e publicado nos anos de 1920 e acabou sendo esquecido por um tempo. A amostra chegou a ser perdida e reencontrada novamente nos anos 1970. “Só agora, com essas novas tecnologias, que a gente percebeu que não era só aquela morfologia que a gente estava vendo superficialmente, que era importante”.

Apesar da raridade encontrada no fóssil vertebrado, este tipo de descoberta é mais comum nos animais invertebrados. Em 2021, foi reportada a descoberta do cérebro intacto de um caranguejo-ferradura de 310 milhões de anos. Também há evidências de cérebros e outras partes do sistema nervoso registradas em espécimes achatados com mais de 500 milhões de anos.

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O que foi verificado sobre o cérebro?

Com base na análise, o estudo constata que os nervos cranianos do fóssil ficaram intactos dentro da caixa craniada, no entanto somem quando saem do crânio.

Ao comparar com os cérebros de espécimes de peixes modernos da coleção do Museu de Zoologia da Universidade de Michigan, foi visto que o cérebro de Coccocephalus tem um corpo central do tamanho de uma uva-passa com três regiões principais que correspondem aproximadamente ao cérebro anterior, médio e traseiro em peixes viventes.

As imagens tomográficas do cérebro estão ajudando a desvendar a sequencia da evolução neural em uma das mais diversas linhagens de vertebrados da atualidade. Foto: Ilustrador: Márcio L. Castro

A estrutura do cérebro do Coccocephalus indica, segundo a pesquisa, um padrão de evolução no cérebro desses peixes mais complicado do que é sugerido pelas espécies viventes sozinhas.

“Ao contrário de todos os peixes vivos com nadadeiras raiadas, o cérebro do Coccocephalus se dobra para dentro,” disse Figueroa. “Portanto, este fóssil captura um momento importante da evolução do cérebro destes peixes, antes do surgimento de muitas das características encontradas em espécies viventes”.

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Comparado aos peixes viventes, o cérebro de Coccocephalus se parece mais semelhante com cérebros de esturjões e peixes espátula, frequentemente chamados de peixes “primitivos” porque divergiram de todos os outros peixes vivos com nadadeiras raiadas há mais de 300 milhões de anos.

“O próximo passo é tentar encontrar outras espécies desse grande grupo, e até de outros grupos, que também tenham esse tipo de preservação de tecido mole. Para termos material comparativo que seja mais semelhante em termos de idade com o material do Coccocephalus”, diz Figueroa. Como o espaço entre o Coccocephalus e os vivos é muito grande, encontrar fósseis que existiram entre as eras pode mostrar como foi a evolução dos cérebros dos vertebrados ao longo do tempo.

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