Um pesquisador brasileiro, radicado na Bélgica, diz ter encontrado um papiro histórico, com tempo estimado de 1,6 mil anos, identificado como um dos documentos mais antigos a abordar a infância de Jesus Cristo. Gabriel Nocchi Macedo atua como professor na Universidade de Liége, na Bélgica, no Departamento de Ciências da Antiguidade, Papirologia Grega e Latina, e foi o responsável pela publicação do estudo, este ano, sobre o achado.
O estudioso explica que o material raro foi achado por ele e outro pesquisador, Lajos Berkes, em arquivos fotográficos da Universidade de Hamburgo. Os escritos estavam em grego antigo, que logo foram traduzidos pelos pesquisadores e identificados como um importante documento histórico que aborda a vida de Jesus.
“O papiro contém uma passagem de um texto mais longo, que se conhece por meio de manuscritos do século 11, mais tardios. Os especialistas dão o nome de Evangelho da Infância de Tomé, que conta episódios da infância de Jesus, mas ele não é um evangelho canônico - não faz parte dos que estão na Bíblia (também chamado texto apócrifo)”, esclareceu Nocchi.
Por conta das condições do papiro, extremamente degradado pelos efeitos do tempo, vinha sendo ignorado pela comunidade científica em relação a sua importância.
“Em 2022, eu e meu colega, que trabalha na Universidade de Berlim, estávamos na universidade olhando as fotos de papiros disponíveis online, de uma coleção de Hamburgo, na Alemanha. Foi por sorte que encontramos esse papiro, mas ninguém tinha lido ou se interessado nele antes”, explicou o papirólogo.
O professor detalha que esses documentos estavam no Oriente Médio, mas foram levados para a Europa no fim do século 19 e começo do século 20. Todos eles redigidos em línguas já mortas, como o latim e o grego antigo, dialetos estudados nas pesquisas do brasileiro.
“Os textos antigos são conhecidos por terem sido copiados através dos séculos, há uma sequência de cópias de um manuscrito para o outro. Antes da descoberta desse papiro, nós sabíamos que o primeiro manuscrito desse texto, que ainda está conservado, data do século 11. Antes do século 11 não havia nada, em termos de evidência escrita desse texto. Como esse papiro data do 4 ou 5 século, ele é o mais antigo”, detalhou.
Gabriel está na Bélgica há 20 anos, para onde foi para cursar a universidade, e estudou letras clássicas, com foco nas línguas antigas grego e latim, área pela qual também fez o doutorado.
O que diz o manuscrito
De acordo com o professor, o texto antigo faz menção ao evangelho de Tomé, mas não representa uma história reconhecida pela igreja ou comunidade Cristã. Ele teria sido escrito entre os séculos 4 ou 5, aponta Gabriel.
“Até então, ele foi ignorado, não se sabia o que havia, ninguém se interessou a ler, porque ele não é um “papiro bonito”. Está mutilado, tem uma escrita que não é caligráfica. É isso que é interessante no trabalho de arqueólogos, historiadores, que nós nos damos conta que todos os objetos históricos têm um valor, trazem informações sobre o passado”, disse Gabriel.
Segundo a pesquisa, a passagem cita um momento vivido por Jesus, entre os seus 5 e 12 anos de idade, atribuída como o segundo milagre registrado ainda na infância de Jesus. Trata-se, segundo a tradução, da ocasião em que Jesus brincava em um riacho e usou barro para esculpir passarinhos. O pai do menino, José, o repreende pela brincadeira no sábado, quando Jesus bate palmas, dando vida às esculturas de barro.
O docente traz que o achado é importante para o conhecimento do texto e sua história, que possibilita reavaliação do estilo da língua no contexto da época, com foi transmitida através do tempo e os contextos em que foi lido na antiguidade. Os estudiosos acreditam que o papiro vem de um contexto escolar, copiado por alguém que estava aprendendo a escrever.
“Ele permite complementar o que se sabe sobre a cultura e a literatura dos cristãos no Egito - de onde vem o papiro. O ponto não é provar nada sobre a infância de Jesus, mas é um objeto histórico que acrescenta uma peça a mais do que se sabe sobre a cultura cristã no Egito, no quarto século”, acrescentou o pesquisador brasileiro.
O estudo completo sobre o achado está disponível no periódico Orbi, da Universidade de Liége.
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