SOROCABA - Pesquisadores brasileiros e argentinos identificaram os fósseis de uma rã que viveu entre crocodilos e dinossauros, há 80 milhões de anos, no interior de São Paulo. Os restos fossilizados dos esqueletos de dois anuros foram achados durante as obras de duplicação da Rodovia da Laranja (SP-351), em 2011, no trevo de acesso à cidade de Catanduva. A espécie inédita de rã do período Cretáceo foi apresentada em estudo publicado nesta quinta-feira, 15, na revista científica internacional Ameghiniana, da Associação Paleontológica Argentina.
Dois entusiastas da paleontologia, Edvado Fabiano dos Santos e Laércio Fernando Doro viram uma quantidade imensa de rocha sedimentar sendo removida para a construção de uma ponte no trevo de acesso e decidiram realizar um trabalho de prospecção dos blocos, descobrindo vários fósseis. Em parceria com o paleontólogo Fabiano Vidoi Iori, do Museu de Paleontologia de Uchoa (SP), foram identificados restos de conchas, peixes, anuros, tartarugas, crocodilos e dinossauros. Os esqueletos dos anuros (rãs e sapos), chamaram a atenção de Iori, que decidiu pedir o apoio de outros pesquisadores para identificar o material.
O trabalho foi liderado pela pesquisadora argentina Paula Muzzopappa, do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) daquele país, com a participação de Agustín Martinelli, do Museu Argentino de Ciências Naturais “Bernardino Rivadavia”, e do brasileiro Fellipe Pereira Muniz, da USP de Ribeirão Preto, além do próprio Iori, que também integra o Museu de Paleontologia de Monte Alto (SP).
A nova espécie pertence ao gênero Baurubatrachus, que quer dizer “sapo da Bauru”, uma referência ao Grupo Bauru, unidade sedimentar em que foi encontrada. O designativo da espécie santosdoroi é uma homenagem aos seus descobridores: Edvaldo Santos e Laércio Doro. “O Baurubatrachus santosdoroi pertence ao grupo dos neobatráquios, também chamados de anuros modernos. Se você o encontrasse nos dias de hoje provavelmente o confundiria com alguma rã que vemos por aí”, explicou Iori.
O que torna o achado importante, segundo ele, é que, embora atualmente os neobatráquios sejam muito numerosos e representem mais de 90% dos anfíbios, seu registro durante o Período Cretáceo é muito escasso, com menos de 15 espécies formalmente descritas no mundo, sendo a maioria delas do Cretáceo Inferior da Bacia do Araripe, no Brasil, entre os Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí.
“Do Cretáceo Superior do Brasil tínhamos apenas duas espécies descritas, ambas da Formação Serra da Galga na região de Uberaba (MG), de idade maastrichtiana (entre 72 e 66 milhões de anos). A nova espécie é o primeiro anfíbio formalmente batizado do Cretáceo paulista e foi descoberta em rochas da Formação Adamantina, uma unidade mais antiga que a da Serra da Galga, denotando que o gênero Baurubatrachus teve uma história evolutiva bem longa na região”, disse Iori.
Segundo ele, as evidências sugerem que a origem dos neobatráquios ocorreu em terras gondwânicas, supercontinente que hoje inclui os continentes do Hemisfério Sul, durante o Período Cretáceo. “Formas como o Baurubatrachus santosdoroi representam os primeiros capítulos da história evolutiva inicial desse grupo, que hoje é tão diverso”, disse.
Os estudos envolveram os restos de dois indivíduos de anuros descobertos em Catanduva. O mais completo tem preservados os ossos do crânio, bacia pélvica, uma vértebra e ossos dos membros, o que permitiu sua descrição anatômica e classificação.
Segundo o paleontólogo, o Baurubatrachus santosdoroi divide com o seu primo mineiro Baurubatrachus pricei principalmente a forte estrutura dos ossos do crânio, porém as características únicas da espécie paulista incluem um esqueleto menos ossificado, com falta de elementos cartilaginosos, além da haste escapular mais fina e uma haste ilíaca mais longa em relação ao corpo da bacia.
O exemplar mais completo está no Museu de Paleontologia de Monte Alto. O outro (fragmento do crânio) integra o acervo do museu de Uchoa. “A definição deste novo personagem para o Cretáceo brasileiro ajuda a refinar nosso conhecimento paleontológico regional e suas interações paleoecológicas. Também fornece subsídios para estudos futuros sobre os neobatráquios e para uma melhor compreensão da evolução dos intrigantes caracteres em Baurubatrachus como indicativo de forças evolutivas que levaram essa linhagem a ser tão singular”, disse Iori.
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