A raça de cães American Pit Bull Terrier surgiu pelo cruzamento de duas linhagens: os buldogues antigos e os terriers durante o século 19. A ideia era juntar a força e capacidade de mordida dos buldogues com a agilidade dos terriers. O resultado foram cães muito resistentes a dor, rápidos e fortes. O pitbull foi registrado pela primeira vez na United Kennel Club (UKC), empresa que faz registro de cães, em 1898 como uma raça que surgiu nos Estados Unidos.
As características desses animais favoreceram que fossem utilizados em rinhas para lutar contra outros cães. De acordo com a professora de Criação de Animais de Companhia da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás (UFG) Kellen Souza de Oliveira, houve uma desvirtuação da raça.
Especialistas ressaltam que os pitbulls geralmente não são agressivos com humanos. Essa características são direcionada para outros animais, diz o médico veterinário comportamental e doutorando da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Fabiano Borba.
Documento da Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC) também afirma que os pitbulls têm certo nível de agressividade com outros cachorros. Mas costumam ser amigáveis com desconhecidos, ao ponto de que não serem recomendados como cães de guarda.
Na semana passada, a escritora Roseane Murray, de 73 anos, foi atacada por três pitbulls no Saquarema, Região dos Lagos do Rio de Janeiro, na sexta-feira, 5. Os animais sofriam maus-tratos de seus tutores, que foram presos em flagrante, segundo a Polícia Civil.
A autora de livros infantis ficou gravemente ferida, passou por diversas cirurgias, e perdeu um braço e uma orelha.
“O que acontece hoje é que existem pessoas que fazem mau uso e má criação desses animais. E aí se passam acidentes horríveis”, avalia Borba.
Origem nas touradas
O pitbull descende da linhagem dos buldogues (ou bulldogs) antigos na Inglaterra, que não são os atuais buldogues. Eles eram utilizados nos chamados blood sports (esportes de sangue, em tradução livre), explica o veterinário. Esse termo em inglês designa esportes que envolvem animais sendo assassinados ou machucados para entretenimento das pessoas.
Nesses jogos, que envolviam apostas, três cães eram postos para brigar com outro animal, geralmente um touro, mas poderiam também ser outras espécies, como um leão. Essas rinhas foram comuns entre o século 17 e o 19, quando foram proibidas. Os buldogues também eram utilizados em fazendas, para ajudar na criação de gado.
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A partir de 1817, esses blood sports começaram a se tornar um forte aspecto da cultura também nos Estados Unidos, apesar de já existirem antes na região, segundo artigo publicado no Journal of Animal Science Advances.
Alguns cães chegaram a ser exportados da Grã-Bretanha até os Estados Unidos para brigas. Com a proibição das touradas, as rinhas entre a própria espécie começaram a florescer.
Os primeiros pitbulls como os de hoje surgiram nos Estados Unidos, segundo Borba. Durante o século 19, criadores na Irlanda, na Escócia e na Inglaterra realizaram cruzamentos entre pitbulls e terriers para combinar as características dos dois tipos de cachorro. Essa tendência ganhou força durante o grande fluxo migratório entre a Irlanda e os Estados Unidos no século 19.
Segundo o veterinário, os americanos preferem cachorros maiores, “então fizeram cruzamentos para deixar esse animal maior, mais robusto”. Lá, eles atraíram a atenção de fazendeiros e rancheiros. Segundo o United Kennel Club, o American Pit Bull Terrier eram habilidosos na captura de gado e de porcos-selvagens, na caça e na condução do gado.
Mas esses animais também foram colocados para brigar em rinhas. Em 1976, os combates entre cachorros foram proibidos em todos os Estados americanos, o que fez com que a atividade migrasse para o México, explica Borba.
Espécie estigmatizada
Segundo o veterinário, a visão dos pitbulls como cachorros assassinos não corresponde às características desses animais. Ele avalia que sempre alguma espécie de cão é estigmatizada, como aconteceu com pastores alemães na década de 1970 e dobermanns, em 1990.
“Existia uma lenda urbana de que a cabeça deles (dos dobermanns) era pequena, apertava o cérebro e eles ficavam loucos”, afirma o especialista.
Borba defende também que o estigma em relação aos pitbulls prejudica o bem-estar deles, já que crescem os abandonos e alguns tutores passam a tratá-los de forma agressiva.
Kellen destaca que, com o manejo correto do animal, os pitbulls não terão problemas com outros animais. É necessário que, durante a fase de filhote, eles entrem em contato com crianças, adultos e animais, e não ficar trancafiado em casa.
Os tutores também devem fazer carinho no filhote, bem como na mãe durante a gestação. Esses, destaca a professora, são cuidados necessários para qualquer raça canina. Ela explica que apresentar o cachorro ao mundo os ajuda a não sentir medo.
Leis exigem uso de focinheira e enforcadores
Leis estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo determinam que cães da raça pitbull precisam usar focinheira e enforcadores quando estiverem em locais públicos com os seus tutores.
Pela lei do Rio, as medidas são mais restritivas e impõem que os animais considerados “ferozes” usem os acessórios sempre que estiverem em locais públicos.
Já em São Paulo, a legislação pede o uso da focinheira para determinadas raças nas situações em que o animal circular em aglomerações, locais fechados de acesso público e eventos com muitas pessoas -, mas os enforcadores devem estar sempre sendo utilizados pelos cachorros.
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