O anúncio do programa do CNPq, órgão de fomento à pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia, para repatriar cientistas brasileiros vivendo no exterior caiu como uma bomba no meio acadêmico, uma parte dele em greve por reivindicação salarial.
- O novo programa federal oferece bolsas de valores de R$ 10 mil a R$ 13 mil e verba para montar laboratório, além de plano de saúde e auxílio aposentadoria.
- O objetivo declarado é combater a “fuga de cérebros”, dando aos cientistas incentivos para voltarem ao Brasil.
Cientistas de diversas instituições de pesquisa do País, além de entidades representativas da classe, como a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), consideram a repatriação de talentos uma iniciativa importante, mas criticaram a nova bolsa.
- Críticos argumentam que a melhor forma de reter talentos é investir, inicialmente, nos que estão no País, aumentando o valor das bolsas oferecidas por aqui, melhorando a infraestrutura das universidades e dos institutos de pesquisa, criando planos de carreira e investindo na abertura de novos postos de trabalho para jovens pesquisadores.
Ao Estadão, o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, disse que essa é uma iniciativa em meio a diversas outras do governo federal cujo objetivo é melhorar a infraestrutura das universidades e instituto federais e a indústria, abrindo vagas de emprego.
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Afirmou ainda entender a revolta dos pesquisadores, por conta do sucateamento da ciência nos últimos anos, mas explicou que o montante não é suficiente para resolver o problema.
“De fato, houve uma evasão muito grande de pesquisadores nos últimos seis anos. Segundo dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), entre o fim de 2022 e o início de 2023, tínhamos de dois a três mil talentos evadidos”, afirmou a vice-presidente da SBPC, Francilene Procópio Garcia, da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba.
“Acho importante repatriar esses talentos, mas essa repatriação precisa dialogar com a retenção dos talentos por aqui. Falta clareza sobre a estratégia de retenção dos 22 mil doutores que formamos todos os anos. Esse novo pacote vai além da bolsa, tem apoio para bancada, infraestrutura de pesquisa, plano de saúde e previdência privada. Ele nos remete a uma política interna de retenção que tenha as mesmas condições, para que os novos talentos não saiam do País.”
Após uma década sem aumento, as bolsas de pós-graduação foram reajustadas no ano passado. A do mestrado foi de R$ 1,5 mil para R$ 2,1 mil e a do doutorado, de R$ 2,2 mil para R$ 3,1 mil. As bolsas de pós-doutorado subiram de R$ 4,1mil para R$ 5,2 mil. O valor total para todo o Brasil é de R$ 2,3 bilhões.
Já o novo programa, para trazer de volta mil expatriados, tem bolsas de R$ 10 mil a R$ 13 mil, além de verba para laboratório, plano de saúde e auxílio de aposentadoria, com investimento total de R$ 1 bilhão.
Na análise dos críticos, não faz sentido concentrar tanto recurso nos pesquisadores que estão no exterior e tão pouco nos que trabalham aqui.
“Olhando o problema do ponto de vista dos estudantes, as bolsas aqui no País são muito baixas e há pouco emprego para quem segue na área acadêmica; temos uma legião de doutores desempregados”, afirmou Luiz Eduardo Del-Bem, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“O programa parece assumir que quem está fora do País é melhor do que quem está dentro. Os alunos daqui se sentem desvalorizados, sem oportunidades”, continua ele, professor de Genômica.
“O momento agora é de reconstruir a ciência com o material humano que está aqui no Brasil, gente que se formou aqui e gente que estudou lá fora e retornou por conta própria”, afirmou a bióloga Ana Lúcia Tourinho, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), que fez doutorado na Universidade de Harvard, nos EUA. “Precisamos valorizar essas pessoas que estão aqui para que, daqui a dez anos, os pesquisadores que estão no exterior tenham vontade de voltar para cá. Hoje, não tem ninguém querendo voltar.”
Este é um outro ponto crucial levantado pelos críticos. Embora as bolsas do novo programa sejam muito mais altas do que as oferecidas por aqui, elas não seriam competitivas para pesquisadores brasileiros empregados em universidades nos Estados Unidos, Canadá ou Europa. Seriam atrativas apenas para os alunos que estão terminando a pós-graduação fora e não têm convite para trabalhar por lá.
“Nesse caso, não é repatriação de cérebros, né? Serão mesmo as melhores cabeças que estamos trazendo?”, questiona a biomédica Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). “Já temos aqui no Brasil muitos doutores que estão sem emprego, por que não contratar essas pessoas, então? Dar esse valor de bolsa para elas? Vamos trazer mais gente para ficar sem emprego? O valor das bolsas daqui aumentou, mas ainda está muito aquém da necessidade dos estudantes, não oferece plano de saúde nem tíquete refeição. As nossas universidades estão sem concurso e sem previsão de crescimento.”
Considerada um dos grandes nomes da neurociência brasileira, Suzana Herculano-Houzel é professora dos departamentos de Psicologia e Ciências Biológicas da Universidade de Vanderbilt, nos EUA. Ela está fora do País há oito anos e não pensa em voltar.
“A intenção da iniciativa é louvável, mas a implementação precisa dar oportunidades iguais de candidatura a todos os jovens cientistas, atentar para oferecer valores de fato competitivos de salário e recursos assegurados para pesquisa, e prever possibilidade de renovação continuada”, afirmou.
“De outra forma, retornar ao Brasil é suicídio profissional, e quem voltar terá de enfrentar a ira dos colegas que não puderam concorrer ao mesmo salário (digo, bolsa) e financiamento de pesquisa apesar de terem qualificações semelhantes.”
O químico Bruno Manzolli Rodrigues, que trabalha como pesquisador associado na Bergische Universität Wuppertal, na Alemanha, concorda com Suzana. Segundo ele, a repatriação de cérebros é urgente, mas os valores oferecidos não são suficientes para trazer pesquisadores de ponta.
“Países como o Brasil precisam de estratégias para repatriar cérebros, porém a estratégia do CNPq é completamente errada”, afirmou Rodrigues.
“Essa bolsa não é competitiva o suficiente para trazer nomes de excelência aqui de fora. Profissionais de excelência ganham muito mais do que a bolsa oferecida e não vão para o Brasil para daqui a três anos não ter mais salário.”
Professor do Instituto de Química da USP, Carlos Hotta concorda com o colega.
“O programa tem duração de quatro a cinco anos e depois desse período a gente não sabe se vai conseguir absorver esses pesquisadores”, disse Carlos Hotta, professor associado do Instituto de Química da USP. “Ou seja, do ponto de vista da estratégia, o programa é falho.”
Professor de História Econômica e pesquisador do Instituto Mário Schenberg, em São Paulo, Apoena Canuto Cosenza lembra que não temos sequer um diagnóstico confiável da situação dos pós-graduados no Brasil.
“O mais próximo que temos é um estudo de 2019, segundo o qual quase 30% dos doutores no Brasil estão desempregados e a tendência seria de esse desemprego aumentar”, citou o professor.
“Desde 2009 há estudos apontando que formamos um volume de doutores muito maior do que o setor público é capaz de absorver. E o setor privado, por sua vez, praticamente não contrata doutores. Então, o programa de repatriação não toca no problema central, que é a falta de emprego.”
Por fim, os críticos lembram que o momento do anúncio da nova bolsa não poderia ser pior. Uma greve por melhores salários e condições de trabalho já paralisa 50 universidades em todo o País e quase 80 institutos federais.
“O contexto atual é de precarização absoluta e subfinanciamento”, disse Del-Bem. “Estamos com dezenas de universidades federais em greve.”
Ricardo Galvão, do CNPq, afirmou ainda que a verba para as bolsas de repatriação vêm do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, enquanto o salário dos professores universitários é pago pelo Ministério da Educação.
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