Por que desmatamento tem feito animais comerem cocô de morcego?

Espécies tiveram de adaptar sua dieta na Uganda para conseguir os nutrientes necessários após desflorestamento da região. Entenda por que isso representa um risco

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Foto do author Ramana Rech

Um estudo registrou pela primeira vez mamíferos se alimentando de fezes de morcego nas florestas da Uganda. Ricos em diversos minerais, o substrato foi a forma que esses animais encontraram de suprir a demanda por nutrientes após o desflorestamento da região.

Além de fósforo, magnésio, potássio e sódio, as fezes dos morcegos continham 27 tipos de vírus diferentes, sendo um deles um novo betacoronavírus, mesmo gênero do Sars-Cov-2, responsável pela pandemia de 2020.

O estudo foi publicada na revista Communication biology, ligada à Nature, em 22 de abril.

A pesquisa registrou diversos animais se alimentando de fezes. A imagem A mostra a pilha de fezes; a B, chimpanzés; a C, macaco colobus; e a D, cabrito-vermelho Foto: communication biology/Reprodução

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Entre 2006 e 2012, as palmeiras da espécie Raphia farinifera quase foram extintas da floresta de Budongo, em Uganda. Empresas de tabaco se fortaleceram na região a partir de uma demanda internacional crescente e incentivos para empresas com operações de longo prazo no país.

As R. farinifera são úteis para fazer cordas onde as as folhas de tabaco são deixadas para secar. Essas plantas forneciam minerais essenciais para a vida selvagem da região. Desde que foram extirpadas, animais como chimpanzés passaram a adaptar suas dietas, ingerindo argila e cupinzeiros.

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Em 2017, os pesquisadores observaram um comportamento até então nunca registrado de diversas espécies de animais se alimentado de fezes de morcego. Entre 2017 e 2019, os estudiosos registraram 839 vídeos que mostravam o consumo dos dejetos pela vida selvagem.

O novo betacoronavírus

Esse comportamento pode expor esses animais a vírus associados a morcegos. Cada amostra de fezes analisada pelos pesquisadores tinha uma média de 14,5 vírus. Em mais da metade delas, havia um novo betacoronavírus, chamado de Buhirugu virus 1 (BHRGV-1). O novo vírus compartilha do mesmo gênero que o Sars-Cov-2, mas está na subgênero Hibecovirus enquanto o Sars-Cov-2 faz parte do Sarbecovirus.

No caso do BHRGV-1, ainda faltam estudos para compreender a ligação das proteínas do vírus com as células dos mamíferos.

Por enquanto, não há registros de infecções por coronavírus na vida selvagem de Uganda. Mas o estudo ressalta que foram observados múltiplos surtos de doença respiratória entre chimpanzés da floresta de Budongo em que as causas permanecem desconhecidas.

Dados epidemiológicos e análises de recombinação genômica de vírus sugerem que cerca de metade das infecções humanas por coronavírus associado a morcegos surge a partir de um reservatórios da vida selvagem. Essas viroses passam por um hospedeiro intermediário até chegar aos seres humanos.

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Outros casos de doenças respiratória em chimpanzés na Uganda já resultaram em transmissão de seres humanos para macacos. Um dos betacoronavírus humano é capaz de, até mesmo, provocar doenças clínicas em chimpanzés.

Os resultados do estudo ajudam a traçar a cadeia de acontecimentos que levam à transmissão de doenças entre espécies e para as pessoas.

A pesquisa destaca que há outras doenças transmitidas para seres humanos a partir de selvagens, como vírus do ebola. Nesse caso, os humanos foram infectados provavelmente ao entrar em contato com carcaças.

Embora a origem desse vírus ainda seja pouco compreendida, algumas análises mostram que o surto da doença ocorreu quando primatas foram infectados por morcegos. Dessa forma, eles serviram de hospedeiros intermediários para o vírus e ampliaram a transmissão.

Leia o estudo completo na revista Communications biology.

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