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Por que o veneno de uma aranha pode ajudar contra a disfunção erétil?

Gel foi criado por pesquisadores da UFMG e se revelou seguro em testes clínicos; Anvisa já autorizou início da fase 2 da pesquisa em seres humanos

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Foto do author Roberta Jansen

A aranha da bananeira ou armadeira (Phoneutria nigriventer) é relativamente comum no Brasil. Seu corpo tem cerca de cinco centímetros e suas pernas chegam a 15 centímetros. Toda ela é coberta por um pelo grosso, de cor amarronzada. A picada provoca vários sintomas graves, como aumento da pulsação, da pressão sanguínea, alteração da respiração, dores excruciantes e, em alguns casos, morte. Nos homens, o veneno pode provocar também uma ereção que dura algumas horas e é extremamente dolorosa.

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E, se esse veneno pudesse, de alguma forma, ser usado para combater a disfunção erétil? Foi essa pergunta que cientistas da Fundação Ezequiel Dias (Funed) se fizeram há duas décadas, quando identificaram a toxina, dando origem a uma importante linha de pesquisa.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), liderados pela bioquímica Maria Elena de Lima, passaram a estudar a toxina, tentando entender, do ponto de vista farmacológico, os mecanismos que levam ao priapismo nos homens picados pela aranha.

Corpo da aranha da bananeira tem cerca de 5 cm e pernas chegam a 15 cm; picada provoca vários sintomas graves Foto: Tobias Hauke/Adobe Stock

Ao longo de quase 20 anos de trabalho, os cientistas conseguiram desenvolver uma molécula sintética, a BZ371A, com propriedades promissoras para o tratamento da impotência e sem os efeitos negativos da toxina. O composto está sendo testado clinicamente em seres humanos e a expectativa é que a nova droga 100% nacional chegue ao mercado até 2027.

“É uma pesquisa inspirada pela nossa biodiversidade, que começa com o estudo do veneno de uma aranha e está perto de gerar um possível medicamento”, diz Maria Elena de Lima, que é professora da UFMG e pesquisadora da Santa Casa de Belo Horizonte. “Nosso trabalho, que é de ciência básica, busca identificar atividades biológicas de interesse nos venenos e detectar potenciais modelos de fármacos para uma ampla gama de doenças.”

Depois de testada com sucesso em animais, a molécula foi patenteada pela UFMG. A patente foi vendida para a Biozeus, empresa brasileira de biotecnologia, responsável por fazer a ponte entre a pesquisa desenvolvida na universidade e a indústria farmacêutica.

O gel de aplicação tópica já foi aprovado em fase 1 de testes clínicos com seres humanos. Essa fase da pesquisa comprovou que o composto não é tóxico. A segunda etapa de testes clínicos em humanos já foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

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O objetivo da fase 2 é testar a eficácia do novo remédio, que será testado em homens que desenvolveram disfunção erétil após cirurgia de retirada da próstata. Em um teste piloto já realizado, cientistas constataram que a aplicação tópica do BZ371A resulta na vasodilatação e no aumento do fluxo sanguíneo no pênis.

Na etapa seguinte, a fase 3, os testes são feitos em um número significativo de pessoas. Somente com a conclusão da fase 3 o fármaco pode ser validado como medicamento.

A bioquímica Maria Elena Lima e sua equipe de pesquisadores na UFMG Foto: Henrique Castanheira/UFMG

A ideia inicial dos desenvolvedores é que o novo fármaco atenda homens com disfunção erétil que, por algum motivo, não possam fazer uso dos medicamentos hoje disponíveis no mercado. Os remédios de uso oral funcionam para 70% dos pacientes.

Outros 30%, sobretudo hipertensos ou com diabetes grave, têm alguma contraindicação por causa de efeitos colaterais como hipotensão, desmaio e dor de cabeça. Os remédios também não são eficientes naqueles pacientes que desenvolveram a disfunção erétil em razão da retirada da próstata.

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Diretor-executivo da Biozeus, o médico Paulo Lacativa diz que, em razão dos estigmas que cercam a questão sexual, muitos homens optam por protelar a cirurgia de retirada da próstata ou mesmo não fazê-la por medo da disfunção erétil. “A medicação deve favorecer o tratamento do câncer de próstata”, acredita Lacativa.

Os pesquisadores destacam ainda as vantagens de um medicamento de uso tópico. “Até o momento, os testes demonstraram que o composto funciona com a aplicação de uma quantidade mínima e sem nenhuma toxicidade, já que praticamente não é detectado na corrente sanguínea”, ressalta Maria Elena.

“A grande vantagem é que a aprovação de medicamentos tópicos costuma ser bem mais rápida em razão da menor possibilidade de apresentarem efeitos adversos.”

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No estudo de fase 1, a segurança da aplicação tópica do novo medicamento também foi testada em mulheres, abrindo a possibilidade para o desenvolvimento de uma medicação para o tratamento da disfunção sexual feminina. Um pedido de autorização para um estudo de fase 2 apenas em mulheres já foi encaminhado à Anvisa.

Segundo Paulo Lacativa, 23% das mulheres sofrem de transtorno de excitação, que seria o equivalente feminino da disfunção erétil: o corpo não responde aos estímulos sexuais. “O aumento do fluxo sanguíneo local (com a aplicação do gel) e da vascularização em mulheres foi comprovado em estudos anteriores e pode ser uma oportunidade a ser explorada pela Biozeus num futuro próximo”, conta.

O diretor-executivo da Biozeus está tão confiante na aprovação que já batizou seus novos produtos. O gel destinado aos homens se chama Herox; já o produto para as mulheres, Aphra.

“Será a primeira vez que uma descoberta da universidade brasileira resulta em uma medicação desenvolvida para todo o mundo”, frisa Lacativa. “Acreditamos que esse caso bem sucedido, conduzido por brasileiros, no Brasil, e com repercussão mundial, pode ser capaz de mudar todo o ecossistema de inovação em fármacos no País.”

Maria Elena ressalta a importância da preservação da biodiversidade do País. “O trabalho ajuda a demonstrar por que a nossa fauna deve ser preservada: ela é uma fonte inesgotável de moléculas bioativas e não conhecemos nem 1% desse potencial.”

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