Três pesquisadores levaram o Prêmio Nobel de Física deste ano, anunciou a comissão responsável pela láurea na manhã desta terça-feira, 3. Os cientistas Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier foram homenageados pelos trabalhos em métodos experimentais que geram pulsos de luz para o “estudo da dinâmica eletrônica na matéria”.
Agostini é pesquisador da Universidade de Ohio (EUA), Krausz atua no Instituto Max Planck, da Alemanha, e Anne L’Huillier na Universidade de Lund, da Suécia - ela é apenas a quinta mulher a ganhar a láurea na categoria da Física.
“É incrível”, disse Anne, em uma entrevista concedida logo depois que soube da premiação. “São poucas mulheres que ganharam esse prêmio, então é muito, muito especial.”
Ela contou que o comitê do Nobel teve que ligar para ela três vezes até que ela, finalmente, atendesse.
“Eu estava dando aula”, explicou, acrescentando que “foi muito difícil” concluir a última meia hora da aula, depois de ser informada do prêmio.
Segundo a Academia Real Sueca de Ciências, as experiências desenvolvidas pelo trio produziram pulsos de luz tão curtos que são medidos em attosegundos, “demonstrando assim que esses pulsos podem ser usados para fornecer imagens de processos dentro de átomos e moléculas”. Essas investigações criaram a possibilidade de acompanhar os elétrons dentro dos átomos e moléculas, em processos antes impossíveis de serem analisado.
Um attossegundo é um milionésimo de trilionésimo de segundo. Para se ter ideia, o número de attossegundos contidos em um segundo é o mesmo número de segundos já passados desde o início do Universo, há 13,8 bilhões de anos, de acordo com a Real Academia.
Pioneira nos trabalhos do tipo, a cientista identificou ainda em 1987 que muitos tons diferentes de luz surgem quando ela transmitiu luz laser infravermelha através de um gás nobre, o que desencadeou uma série de outras descobertas. Já Agostini e Krausz, no início dos anos 2000, desenvolveram técnicas que permitiam produzir pulsos de luz extremamente curtos.
Há várias potenciais aplicações para as descobertas dos pesquisadores. Na eletrônica, é importante compreender e controlar como elétrons se comportam em um material. Esses pulsos de attosegundo também podem ser usados para identificar diferentes moléculas, como em diagnósticos médicos. Um attosesegundo está para um segundo como um segundo está para a idade do Universo.
Além da medalha e do diploma, os homenageados dividem uma quantia substancial em dinheiro, 11 milhões de coroas suecas (em torno de R$ 4,8 milhões).
“É uma área muito difícil de traduzir para o público leigo. Trata-se de pesquisa básica que não tem ainda muitas aplicações ainda”, constatou o professor Gustavo Canal, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).
E, como boa pesquisadora da ciência básica, Anne sabe que a aplicação prática das suas descobertas podem levar um tempo. “Ela não estava preocupada com resultados imediatos, mas em desenvolver algo que 30, 40 anos depois lhe rendeu um prêmio pelo conjunto da obra”, afirma o físico Anderson Gomes, da Universidade Federal de Pernambuco, que assinou duas pesquisas com Anne no início dos anos 90.
“Imagina o The Flash”, compara Canal, em referência ao herói dos quadrinhos conhecidos pela velocidade. “A gente vê o rastro atrás dele e entende que ele está em altíssima velocidade. Por quê? Quando fazemos uma foto, a câmera abre uma janela de exposição para capturar a imagem e, em seguida, a fecha, concluindo a foto. Mas nesse intervalo em que abre e fecha, o objeto fotografado precisa estar imóvel. Se estiver se movendo numa velocidade maior que a do abrir e fechar da câmera, o resultado da imagem será um borrão”, descreve.
“Até o trabalho dos três, a gente não conseguia ver o elétron, só o borrão. Quanto mais rápido o objeto, mais rápido precisa ser o abrir e fechar da câmera para que consigamos captar uma imagem precisa, e não um borrão. Foi isso que eles conseguiram fazer”, explica o pesquisador da USP.
Nesta segunda-feira, 2, o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina foi para os responsáveis por criar a tecnologia da vacina de mRNA: a bioquímica húngara Katalin Karikó e o imunologista americano Drew Weissman. As descobertas da dupla, fruto da pesquisa em ciência básica, levaram ao desenvolvimento em tempo de recorde de imunizantes contra a covid-19 em 2020, menos de um ano após a identificação do novo coronavírus.
O prêmio de Física é entregue desde 1901, quando a premiação teve início, seguindo as diretrizes deixadas postumamente no testamento do químico e inventor sueco Alfred Nobel (1833-1896). Desde 1901, 116 prêmios de Física foram entregues para 222 cientistas (os prêmios podem ser compartilhados por até três indivíduos).
O prêmio de Física do ano passado foi concedido aos cientistas Alain Aspect, John F. Clauserand e Anton Zeilinger pelos trabalhos conduzidos de forma independente “que lançaram as bases para uma nova era da tecnologia quântica”, nas palavras do comitê organizador do prêmio. As pesquisas abriram caminho para uma nova geração de computadores e sistemas de criptografia invioláveis.
Dos 225 cientistas que receberam o Nobel de Física, apenas quatro eram mulheres. A mais famosa delas é Marie Curie, que recebeu o prêmio em 1903, por suas pesquisas sobre o polônio. Ela recebeu também um Nobel de Química em 1911.
Um novo prêmio de Física para uma mulher só viria 60 anos depois, em 1963, quando Maria Goeppert-Mayer foi agraciada juntamente com outros dois colegas. Mais 55 anos se passaram até a canadense Donna Strickland vencer em 2018. Dois anos depois, Andrea Ghez foi laureada pela descoberta de um objeto supermassivo e compacto no centro de nossa galáxia.
O estudo da Física parece ser um negócio de família, como mostram os dados da Organização do Nobel. Marie Curie e seu marido, Pierre Courie, dividiram o prêmio de 1903.
E nada menos que quatro duplas de pai e filho também foram premiadas, não necessariamente no mesmo ano: em 1915, William Bragg e Lawrence Bragg (que tinha apenas 25 anos e é o mais jovem agraciado); em 1922, Niels Bohr e 53 anos depois, Aage N. Bohr; em 1924, Manne Siegbahn e, em 1981, Kai Siegbahn; em 1906 J.J. Thomson e, em 1937, George Paget Thomson.
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