Presidente do CNPq defende investir R$ 1 bi para repatriar cientistas e fala em crítica ‘míope’

Programa prevê bolsas e auxílio para compra de equipamentos a pesquisadores que voltarem do exterior; especialistas criticam iniciativa e defendem primeiro fortalecer ciência feita no Brasil

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Foto do author Roberta Jansen
Entrevista comRicardo GalvãoPresidente do CNPq

O CNPq, agência de fomento à pesquisa ligada ao Ministério da Ciência, lançou esta semana o Programa de Repatriação de Talentos - Conhecimento Brasil, cujo objetivo é oferecer benefícios financeiros para repatriar cerca de mil cientistas brasileiros que hoje atuam no exterior. O programa tem orçamento de R$ 1 bilhão em cinco anos e oferecerá bolsas de pós-graduação no valor de R$ 10 mil a R$ 13 mil.

Em meio à greve por melhores salários e condições de trabalho de universidades e institutos federais, o anúncio provocou revolta entre pesquisadores que trabalham no País. Em entrevista ao Estadão, Ricardo Galvão, presidente do CNPq, defendeu o programa como parte de um projeto maior do governo federal de reestruturar a área de ciência e tecnologia.

Para aplicar para as bolsas, os cientistas estabelecidos fora do País devem apresentar seus projetos de pesquisa às universidades ou institutos federais, conforme regras do CNPq. Se aprovados, a bolsa é liberada pela agência de fomento à ciência do governo.

Além das bolsas de cinco anos, o pesquisador que quiser voltar ao País receberá ajuda para a aquisição de equipamentos, plano de saúde e auxílio de aposentadoria, benefícios que os cientistas que trabalham no Brasil não têm.

Segundo Galvão, o programa tem ainda uma segunda frente, cuja meta é firmar parcerias internacionais entre pesquisadores que atuam no Brasil e equipes que trabalham em instituições no exterior, com investimento total de R$ 200 milhões para custeio de auxílios e aquisição de equipamentos.

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Leia a seguir a entrevista com Galvão.

O programa foi recebido com duras críticas na comunidade acadêmica brasileira. Como o senhor vê essas críticas?

As reclamações são justificadas. Foram cinco ou seis anos de decréscimo de recursos, redução de bolsas. Isso tudo gerou uma grande ansiedade na comunidade. Mas o problema é mais complexo. A maior parte das reclamações diz respeito a questões distintas, não comparáveis.

Como assim?

O programa de repatriação de talentos não é algo novo, ele acontece em vários países do mundo. Alemanha, Argentina, Coréia, Japão, China e Índia têm programas parecidos com esse. A Argentina tem um programa desde os anos 90, a China a mesma coisa.

As bolsas não são para arrumar salário para quem está desempregado, mas, sim, para a melhoria e aprimoramento do sistema científico nacional usando as capacidades dos pesquisadores brasileiros que atuam no exterior.

Desde antes do Ciência sem Fronteiras, distribuímos mais de 5 mil bolsas de doutorado no exterior e depois aumentou muito. E todos eles foram pro exterior e não tiveram oportunidade de retornar, não tinham laboratório, não tinha concurso, as empresas não estavam contratando.

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Então há uma certa urgência de oferecer oportunidades para esses brasileiros, eles têm uma ansiedade grande de voltar ao País. Estamos oferecendo as bolsas para atrair pesquisadores de destaque e daremos prioridade na análise de projetos para universidades e instituições de pesquisa do Norte e do Nordeste para reduzir a desigualdade.

Os cientistas que trabalham no País dizem que se sentiram desvalorizados com esse anúncio, lembrando que as bolsas de pós-graduação oferecidas por aqui são muito mais baixas e não há pagamento de benefícios, como plano de saúde e auxílio aposentadoria. Eles dizem que, para reduzir a chamada fuga de cérebros seria mais lógico fortalecer a ciência que está sendo feita no País. Como o senhor responde a essas críticas?

São programas distintos. O que manterá os pesquisadores que estão aqui no País não é uma bolsa, mas um emprego permanente. Para isso (gerar empregos), somente no ano passado, nós investimos R$ 10 bilhões e, este ano, serão mais R$ 12 bilhões em dez programas estratégicos, de melhoria de infraestrutura, erradicação da fome, nova industrialização e outros programas para empresas e universidades. Não é bolsa que vai resolver isso.

Quando o senhor diz “nós”, o senhor está se referindo ao CNPq?

Não, estou me referindo a todo o governo, O programa de repatriação de talentos é igualmente uma decisão de governo, o orçamento vem do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

O presidente do CNPq, Ricardo Galvão, defendeu o programa de repatriação de talentos Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Uma outra crítica feita ao programa é que, embora o valor da bolsa seja alto em comparação ao que é oferecido no País ele não seria competitivo para cientistas que estão contratados em universidades do exterior, recebendo em dólar ou euro....Que esse valor só seria atrativo para recém-formados sem perspectiva de emprego....

Isso nós vamos ver com o resultado da chamada. Esse valor é equivalente ao do salário de um professor adjunto em uma universidade federal. Não vamos trazer doutores recém-formados, mas gente com mais experiência. Tenho certeza que o valor é atraente, ainda mais com os recursos extras, como plano de saúde, INSS como autônomo e prioridade para contratação em universidades e empresas.

Boa parte das universidades e institutos de pesquisa federais está em greve , por melhores salários e condições de trabalho aqui no País. Eles se sentiram afrontados com o anúncio. O senhor acha que estão errados?

É natural que se sintam afrontados, não posso culpá-los. Mas a verba dos salários dos professores universitários vem do Ministério da Educação. Além disso, R$ 1 bilhão não resolve o problema de nenhuma universidade. São coisas muito distintas.

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O senhor não acha que o momento do anúncio foi infeliz, diante da greve?

A greve veio depois da divulgação. Esse programa está sendo estudado desde novembro do ano passado.

Outra crítica feita é que há uma taxa de desemprego alta entre doutores, que não há vagas....

Formamos 22 mil doutores por ano. Temos 300 mil trabalhando em todas as universidades. A cada 35 anos de trabalho, se aposentam. Ou seja, a nossa taxa de reposição é de dez mil doutores por ano. O que fazer com os outros 12 mil? Não tem emprego. Estamos dando os meios de termos muito mais doutores trabalhando em mais empresas. Acho um pouco míope essa crítica.

Num cenário de indústria avançada, de economia do conhecimento, precisamos de pessoas treinadas. Por isso estamos trabalhando, para que a sociedade como um todo seja beneficiada. Além disso, a segunda linha do programa vai propiciar que professores brasileiros no exterior formem redes de pesquisa com pesquisadores brasileiros, inclusive atraindo doutores que hoje estão desempregados no País. Vamos aproveitar a diáspora como âncora.

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