Como um quadro de Van Gogh antecipou padrão descrito pela ciência mais de 50 anos depois

Cientistas revelam que o céu turbulento pintado pelo artista holandês em 1889 corresponde a padrões previstos na Teoria da Turbulência, que descreve a dinâmica dos fluidos, de 1941

PUBLICIDADE

Foto do author Roberta Jansen
Atualização:

Uma das pinturas mais famosas da história da arte, Noite Estrelada (1889), de Vincent van Gogh, apresenta um céu repleto, claro, de estrelas, mas também de nuvens em forma de redemoinhos. Essas pinceladas que remetem a movimentos seguem padrões matemáticos previstos em uma teoria científica que só seria descrita muitos anos depois da conclusão do quadro.

PUBLICIDADE

O artista holandês pintou o quadro enquanto estava internado numa instituição psiquiátrica, depois de ter apresentado vários episódios de alucinação e, durante um deles, ter cortado parte da própria orelha. Na verdade, a paisagem retratada era a que ele avistava da janela do quarto do sanatório.

Não é de se estranhar que o turbulento céu da pintura tenha muitas vezes sido interpretado como uma expressão de seu estado mental. Agora, no entanto, novo estudo publicado na revista Physics of Fluids revela que a pintura segue os padrões indicados na Teoria da Turbulência de Kolmogorov, que descreve a dinâmica dos fluidos.

'Noite Estrelada' (1889), de Van Gogh, mostra a visão do artista a partir da janela do sanatório em que ficou internado. Foto: Divulgação/MoMA

Andrey Kolmogorov era um matemático russo que identificou os padrões pelos quais a energia se move através da água ou do ar, formando grandes redemoinhos que se quebram em redemoinhos menores, de uma forma previsível.

Publicidade

Esse movimento, chamado de fluxo turbulento, pode ser visto, por exemplo, nas águas, nas correntes oceânicas, na circulação sanguínea, na disseminação da fumaça no ar e nas nuvens de tempestade.

“Imagine que você está em pé, numa ponte, olhando o fluxo de um rio. Você verá muitos redemoinhos na superfície da água”, afirmou o co-autor do estudo Yongxiang Huang, especialista em dinâmica de fluídos da Universidade Xiamen, na China, em entrevista à CNN. “Esses redemoinhos não se formam aleatoriamente. Eles seguem padrões específicos que podem ser previstos pelas leis da Física.”

A equipe de Huang mediu os redemoinhos e as pinceladas em Noite Estrelada e partiram das cores escolhidas por Van Gogh para estimar qual seria o movimento do céu. Eles descobriram que 14 dos redemoinhos da pintura seguem a teoria de Kolmogorov.

A análise das pinceladas menores revelou que elas seguem a escala de Batchelor, que descreve como a energia se move em turbulências de menor escala.

Publicidade

Van Gogh não poderia saber sobre a teoria de Kolmogorov quando pintou Noite Estrelada, já que ele morreu treze anos antes de o matemático nascer. Em vez disso, os pesquisadores defendem a ideia de que o pintor foi capaz de capturar corretamente a turbulência do céu porque ele era um artista talentoso e atento observador da natureza.

“‘Noite Estrelada’ revela profunda e intuitiva compreensão do fenômeno natural”, afirmou Huang, em nota. “A precisa representação feita por Van Gogh do fenômeno da turbulência pode derivar do estudo do movimento das nuvens e da atmosfera ou mesmo de senso inato de como capturar o dinamismo do céu”, continua.

Aplicar uma lei da Física a uma pintura do século 19 que não está em movimento é obviamente um grande desafio, admitem os pesquisadores. A precisa representação da turbulência pode ser mera coincidência.

No entanto, o astrofísico Adam Frank, da Universidade de Rochester, que não participou do estudo, lembrou, em entrevista à rede de TV NBC, que tanto a arte quanto a ciência têm a capacidade de capturar verdades sobre o mundo.

“Não acho que seja coincidência. Acho que Van Gogh estava respondendo intuitivamente, emocionalmente, ao que estava vendo no céu e, de alguma forma, foi capaz de captar os padrões que uma detalhada análise matemática também descobriu”, afirmou o astrofísico. “O que ele fez foi capturar na linguagem da pintura o que, tempos depois, seria capturado pela linda linguagem da matemática.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.