O Universo está se expandindo continuamente desde sua origem. Esse movimento é impulsionado por uma força conhecida como energia escura, que leva esse nome porque suas propriedades ainda são uma pergunta em aberto para a cosmologia. Agora, a ciência ganha um aliado que pode oferecer respostas: o radiotelescópio Baryon Acoustic Oscillations from Integrated Neutral Gas Observations (Bingo), coordenado pela Universidade de São Paulo (USP) em colaboração com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e cientistas da Europa e China.
Quando concluída, a estrutura será composta por dois pratos gigantes, cada um com cerca de 40 metros de diâmetro, que receberão radiação do céu e projetarão seu espectro em uma série de detectores metálicos, chamados cornetas. A previsão é que a primeira delas comece a operar este mês na cidade de Aguiar, no sertão da Paraíba, onde o radiotelescópio será montado. A versão completa do experimento, no entanto, teve sua construção afetada pela pandemia e deve ser finalizada em 2022.
Cerca de 80% das peças que compõem o Bingo são fabricadas pela indústria brasileira, diz o professor do Inpe Carlos Alexandre Wuensche. O instituto concentra praticamente toda a instrumentação astronômica do País em sua Divisão de Astrofísica, e é responsável por coordenar a construção do radiotelescópio. “As únicas peças que importamos são componentes eletrônicos que não são produzidos pelo parque industrial do Brasil”, afirma.
Aparato científico
Com financiamento de R$ 13 milhões pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Bingo se distingue de outros radiotelescópios por se concentrar na época em que a energia escura se tornou predominante no espaço, explica o pesquisador Elcio Abdalla, professor do Instituto de Física da USP e coordenador-geral do projeto.
“A expansão do Universo depende fundamentalmente da energia escura, que começou a se desenvolver há alguns bilhões de anos, e é exatamente esse período que estamos observando”, diz.
Para compreender esse fenômeno, os cientistas vão buscar pistas em um tipo específico de radiação que permite enxergar as Oscilações Acústicas de Bárions, presentes no acrônimo em inglês do projeto. “Se o cosmo fosse um pão, nós estaríamos estudando o miolo para saber quais ingredientes foram utilizados na preparação”, afirma João Alberto de Moraes Barretos, doutorando que integra a equipe.
O “miolo”, seguindo a analogia, são as oscilações bariônicas. São elas que devem ser detectadas pelas antenas gigantes na Paraíba. Ao investigá-las, os pesquisadores querem descobrir a natureza de seus ingredientes, isto é, do setor escuro do Universo. A grosso modo, sabe-se que elas foram influenciadas pela energia escura, mas não se conhece, de fato, o que é essa energia.
“Ela é prevista teoricamente, e queremos entendê-la por meio das marcas que ela deixou nas oscilações bariônicas”, afirma Wuensche. O Bingo pretende ser o primeiro radiotelescópio do mundo a apresentar resultados empregando essa técnica.
Uma das etapas fundamentais do processo é o mapeamento da distribuição de galáxias no Universo. Isso porque os locais onde há mais concentração de matéria são também os que apresentam a maior quantidade de átomos de hidrogênio neutro, o principal componente de tudo o que é visível no espaço. As Oscilações Acústicas de Bárions, por sua vez, vêm “impressas” no espectro de emissão desses átomos.
“O diferencial do Bingo em relação a outros experimentos internacionais é que ele se propõe a calcular o espectro desta emissão no comprimento de onda de 21 centímetros, onde as oscilações bariônicas são observáveis”, explica Larissa Santos, professora do Centro de Gravitação e Cosmologia da Universidade de Yangzhou, na China.
“Desse modo, temos uma ideia da história da evolução do Universo, e de como ele está se expandindo nesse intervalo de tempo”.
Impacto social
Citada na apresentação do projeto à Fapesp, uma de suas motivações é a formação de engenheiros e técnicos brasileiros com as habilidades necessárias para que, no futuro, o País tenha profissionais capazes de construir sistemas de radioastronomia no chamado "estado da arte”. Segundo Abdalla, essa é uma das razões que tornam o intercâmbio de informações com universidades de outros países tão importante, embora o projeto seja liderado pelo Brasil.
Em outra frente, a UFCG, parceira no experimento, desenvolve ações de divulgação científica relacionadas ao Bingo em escolas municipais da região de Aguiar, na Paraíba. Coordenadas pelo professor João Rafael dos Santos, as atividades de extensão oferecem palestras e aulas sobre Ciências, Astronomia, Astrofísica e Cosmologia aos alunos da rede pública.
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