Sítio arqueológico com 45 esqueletos de até 10 mil anos é descoberto em obra de condomínio no MA

Mais de 100 mil peças e fragmentos, como restos de funerárias, ossos, ferramentas e conchas, foram coletados na área onde são construídos prédios do Minha Casa Minha Vida em São Luís

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Foto do author José Maria Tomazela

Um cemitério indígena com 45 esqueletos que podem ter sido enterrados há até 10 mil anos foi descoberto durante a construção de um condomínio residencial do programa Minha Casa Minha Vida, em São Luís, capital do Maranhão. Restos de urnas funerárias, ossos, ferramentas de pedra e conchas decoradas, totalizando mais de 100 mil peças e fragmentos, também foram coletados no local. A descoberta, que pode lançar novas luzes sobre a pré-história brasileira, deve ser anunciada oficialmente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) nesta segunda-feira, 8.

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O achado aconteceu no local conhecido como Chácara Rosane, no bairro Vicente Fialho, onde a construtora MRV ergue conjuntos de prédios financiados pelo programa federal de habitação. As prospecções foram iniciadas em 2019 e fazem parte do processo de licenciamento ambiental da obra. A empresa W Lage Consultoria Científica foi contratada para realizar a avaliação arqueológica sob a supervisão do Iphan. As prospecções continuam e, a cada dia, novos achados são evidenciados.

Muitas peças, a maioria formada por fragmentos cerâmicos, ainda não foram contabilizadas, segundo o arqueólogo Wellington Lage, responsável pelo resgate. “É intrigante constatar que nesse volume de fragmentos, misturam-se peças de culturas e períodos variados, que vão desde as antigas cerâmicas do tipo Mina – as mais rudimentares –, passando pelas Tupi, amazônicas, até as Tupinambá, já no momento do contato com o europeu”, disse.

Sambaquis

Ele ressalva que essa informação ainda é apenas uma hipótese, pois a maioria das peças ainda está em estudo. Pela disposição dos esqueletos no terreno, em profundidades que variam de 60 centímetros a 2,10 metros, Lage deduz que no sítio houve quatro ocupações em momentos distintos. “A maioria dos enterramentos encontra-se em níveis abaixo de pacotes de conchas (sambaquis), o que sugere uma ocupação pré-sambaquieira”, acrescentou.

Os sambaquis são formados principalmente pelo acúmulo de conchas de moluscos marinhos, dos quais se alimentavam as populações primitivas. Outros estudos já indicaram que os povos sambaquieiros habitaram a Ilha de São Luís há mais de 6 mil anos. As estruturas ósseas achadas agora podem ser mais antigas. “O que temos até o momento são datações obtidas pela análise do sedimento alocado imediatamente ao lado do crânio dos dois primeiros indivíduos, pelo método da Luminescência Oticamente Estimulada (LOE), que determina a idade em que o sedimento foi exposto à radiação solar pela última vez”, disse Lage.

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Muitas peças, a maioria formada por fragmentos cerâmicos, ainda não foram contabilizadas, segundo o arqueólogo Wellington Lage, responsável pelo resgate. Foto: W Lage/Divulgação

No caso do primeiro esqueleto, o resultado apontou como provável idade do material entre 8.245 e 10.465 anos. Já para o segundo crânio, o período temporal ficou entre 7.120 e 9.240 anos. Os demais esqueletos ainda passarão por análise. Uma observação preliminar apontou que os indivíduos adultos eram de baixa estatura, com cerca de 1,5 m de altura, e corpos atarracados. O material coletado está sendo depositado em reserva técnica da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís, instituição legal de guarda desse patrimônio arqueológico.

O terreno do sítio fica próximo da orla litorânea de São Luís. No local, a MRV constrói quatro condomínios de prédios com um total de 1.600 apartamentos. A legislação brasileira exige que grandes empreendimentos tenham licença ambiental e, sobretudo quando envolvem movimentação de terra, é preciso pesquisar possíveis sítios arqueológicos. Uma portaria interministerial de 2015 determina que o Iphan se manifeste sobre bens culturais que possam ser afetados pelas obras, o que é feito através de prospecções na área.

Assim que os trabalhos foram iniciados, apareceram as primeiras evidências de um sítio arqueológico, com a localização de fragmentos de cerâmica decorada. Em seguida, surgiram pedaços de urnas funerárias e as primeiras ossadas. A grande quantidade de material impressionou Lage. “Pela quantidade e variedade de material e indivíduos evidenciados, o sítio Chácara Rosane será a peça fundamental para auxiliar no entendimento e compreensão sobre a formação, tipos de ocupação e historicidade referente aos primeiros grupos humanos que ocuparam a Ilha de São Luís”, disse.

O terreno já tinha sido mencionado em trabalhos realizados em 1991 pelos pesquisadores Olavo Correia Lima e Olir Correia Lima Arozo, que relataram a evidenciação de um “fóssil humano (um homem adulto), com restos mortais da mandíbula com dentes articulados e enterramento secundário, pertencente à cultura Tupi-Guarani”. Em 2019, quando teve início o processo de prospecção, a equipe da W Lage partiu a campo sabendo da possível existência de outros elementos. “Os trabalhos de campo são incógnitas que procuramos desvendar. Em uma situação como essa, torna-se impossível determinar uma data exata para a finalização dos trabalhos, pois depende do que o terreno ainda tem a nos revelar”, disse Lage.

Na Chácara Rosane, onde acontece o trabalho arqueológico, a MRV constrói um conjunto de prédios no programa Minha Casa Minha Vida. Foto: W Lage/Divulgação

Obra deve respeitar resgate de achados

Os achados não impedem que a MRV dê sequência ao projeto do empreendimento imobiliário, mas as obras devem respeitar o cronograma de retirada de resgate dos achados. Após os registros e primeiros estudos do material no próprio local, as peças são retiradas e levadas para a reserva técnica da UFM, um local onde possam ser analisadas e conservadas. “Após o trabalho de campo, existem práticas de laboratório e de gabinete, ou seja, a pesquisa não finda com o encerramento no campo”, explicou o arqueólogo.

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No caso desse empreendimento, por determinação do Iphan, a empresa está construindo um centro de curadoria e guarda na universidade para abrigar o novo acervo. A UFM tem um laboratório de arqueologia e seus grupos de pesquisadores também estudarão o material retirado do sítio.

A MRV informou ter fornecido toda a estrutura necessária para preservar a integridade dos achados, isolando áreas, fornecendo salas climatizadas e produzindo embalagens sob medida para as peças mais sensíveis.

Em nota, o Iphan disse que está acompanhando de perto e avaliando os achados no sítio Chácara Rosane, por meio de sua equipe técnica. “Estamos em fase de análise e planejamos emitir uma nota oficial na segunda-feira, 8, para fornecer detalhes mais específicos sobre o assunto”, afirmou.

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