Vencedor do Nobel da Química usará descobertas para tornar mineração mais sustentável

Em São Paulo, James Fraser Stoddart diz que novo método utilizará as máquinas moleculares, que lhe renderam o prêmio em 2016, para eliminar composto venenoso do processo de extração de ouro; escocês criou empresa para desenvolver a tecnologia

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Graças às sua contribuição para a descoberta das máquinas moleculares, Sir James Fraser Stoddart foi um dos três ganhadores do Prêmio Nobel da Química de 2016. Agora, o escocês de 75 anos quer usar suas máquinas mil vezes menores que a espessura de um fio de cabelo para promover uma revolução na área de mineração, tornando mais limpa a exploração de ouro.

Em São Paulo, Stoddart participou da reunião anual da União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac), que foi realizada pela primeira vez no continente, em conjunto com a reunião de 40 anos da Sociedade Brasileira de Química. O evento, encerrado hoje, foi uma das maioresinvasões de cientistas da história da cidade, reunindo mais de 2,7 mil químicos de todo o mundo.

Graças às sua contribuição para a descoberta das máquinas moleculares, Sir James Fraser Stoddart foi um dos três ganhadores do Prêmio Nobel da Química de 2016. Foto: Edu Viana/Divulgação SBQ

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O método desenvolvido por Stoddart permite separar o ouro de outros minérios sem o uso de cianeto, produto extremamente venenoso para os animais e tóxico para o meio ambiente, que hoje é empregado nesse tipo de mineração.

"Em vez do cianeto, criamos essas nanomáquinas feitas de alfa-ciclodextrina, que se ligam de forma muito seletiva ao ouro, em questão de segundos, em temperatura ambiente. É uma tecnologia revolucionária, sustentável, para a extração de ouro. Espero que ela seja usado no futuro em escala industrial", disse Stoddart ao Estado.

Para desenvolver a nova técnica, Stoddart, que vive nos Estados Unidos, onde leciona na Universidade Northwestern, em Chicago, criou a empresa startup Cycladex, instalada no estado de Nevada. A empresa recebeu um investimento de US$ 1 milhão da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos para realizar os testes.

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Stoddart, o francês Jean-Pierre Sauvage e o holandês Bernard Feringa dividiram o úlitimo Prêmio Nobel de Química pela invenção das máquinas moleculares, ou nanomáquinas: moléculas com movimentos controláveis que podem executar uma série de tarefas. 

Os experimentos que deram o prêmio ao trio, porém, eram apenas uma "prova de princípio", segundo Stoddart. Eles consistiam na construção de minúsculos elevadores e motores, mas não em aplicações tecnológicas. A primeira aplicação prática poderá surgir justamente com a empresa de Stoddart, mas outras já estão a caminho, segundo ele.

"Já há grupos estudando aplicações em áreas que envolvem novos materiais, sensores, sistemas de armazenamento de energia e computação molecular. Já se avançou bastante especialmente na área de medicina, para o uso de nanomáquinas que possam levar medicamentos apenas às células que precisam recebê-los, e liberá-los no momento certo", disse Stoddart.

Segundo o cientista, as nanomáquinas promoverão uma verdadeira revolução industrial, mas ainda não se pode dizer quanto tempo vai levar. "Estamos em um momento parecido com o da aviação em 1927. Naquele ano, Charles Lindbergh sobrevoou o Oceano Atlântico, de Nova Jersey até Paris. Foi um marco, um grande avanço, mas foi preciso esperar vários anos para vermos a aviação comercial". 

Ele comparou o estágio de desenvolvimento das nanomáquinas também com a descoberta do motor elétrico, em 1830, quando os cientistas exibiam orgulhosamente em seus laboratórios manivelas e rodas que giravam. Eles ainda não tinham, no entanto, nenhuma ideia de que sua descoberta levaria aos trens elétricos, máquinas de lavar roupa, ventiladores, processadores de alimentos e outros eletrodomésticos.

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"Ganhamos o Nobel da Química por termos feito pesquisa fundamental, mas nem podemos imaginar quantas aplicações serão possíveis. Peço que vocês sejam pacientes. Acho que nós veremos as máquinas moleculares ocupando um lugar no futuro em áreas que são importantes para a sociedade", disse.

Para o desenvolvimento dessas novas tecnologias, Stoddart confia sobretudo em seus alunos. "Meu legado não é minha química, ou minhas descobertas e sim os mais de 400 doutores que eu ajudei a formar. Mais de 100 deles são hoje professores que estão espalhados por universidades de todo o mundo, incluindo o Brasil", declarou Stoddart.

Stoddart conta que o sócio de sua empresa é um ex-aluno, Roger Pettman. "Uma das coisas maravilhosas que têm acontecido na minha vida - especialmente nos últimos cinco anos - é que descobertas incríveis foram feitas no meu laboratório por alguns desses jovens excelentes."

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