Veneno de peixe ornamental paralisa agressores sem causar dor

Contendo opioides que atuam como a morfina e a heroína, peçonha dos blênios dentes-de-sabre causa queda súbita de pressão nos potenciais predadores; para cientistas, compostos podem ser usados para desenvolver novos analgésicos

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Os blênios dentes-de-sabre são peixes pequenos, tímidos e aparentemente inofensivos, que usam seus longos e afiados caninos para se defender, injetando um poderoso veneno nos potenciais predadores desavisados. Depois de estudar o conjunto de proteínas presentes nesse veneno, um grupo de cientistas concluiu que ele tem propriedades únicas que podem ser utilizadas para o desenvolvimento de analgésicos potentes.

Apesar de parecerem inofensivos, os blênios dentes-de-sabre, como o Meiacanthus nigrolineatus (foto) têm caninos afiados, no maxilar inferior, ligados a glândulas que produzem um veneno potente, repleto de opióides e outras substâncias que paralisam os potenciais predadores. Foto: Richard Smith/OceanRealmImages

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De acordo com o estudo, publicado hoje na revista científicaCurrent Biology, veneno do pequeno peixe do gênero Meiacanthus contém substâncias como opióides, que atuam como a morfina e a heroína, causando uma súbita queda na pressão sanguínea das vítimas, paralisando-as imediatamente.  Depois de extrair o veneno e injetá-o em camundongos de laboratório, os cientistas constataram que roedores não apresentaram nenhum sinal de dor.

"O fato do veneno do blênio dende-de-sabre ser indolor para os camundongos foi uma grande surpresa. O veneno dos peixes com espinhas dorsais produzem dor imediata e lancinante. A dor mais forte que já senti, por exemplo, foi produzida pelo veneno de arraia voadora", disse um dos autores do estudo, Bryan Fry, da Universidade de Queensland (Austrália).

Crânio de umMeiacanthus grammistes, uma das espécies de blênios dentes-de-sabre venenosos estudados pelos cientistas; os caninos do maxilar inferior são ligados a glândulas que produzem um potente veneno, com opióides e outras substâncias que paralisam imediatamente os potenciais agressores. Foto: Anthony Romilio

Apesar do veneno potente, o Meiacanthus é um popular peixe ornamental. Com menos de 10 centímetros de comprimento, ele se alimenta basicamente de plâncton e algas. Mas graças aos dois caninos de seu maxilar inferior, que são ligados a glândulas onde fica armazenado o veneno, o pequeno peixe enfrenta agressivamente predadores muito maiores que ele. Segundo o cientista, com a queda súbita da pressão sanguínea, o inimigo fica desorientado e incapaz de caçar.

"Ao desacelerar os potenciais predadores, os blênios dentes-de-sabre têm a chance de escapar. Embora o veneno não produza dor, os opióides produzem uma sensação extremamente desagradável de náusea e tontura", explicou Fry.

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Depois de extrair o veneno do Meiacanthus, os cientistas o submeteram a uma análise proteômica, que é o estudo em larga escala do conjunto de proteínas ali existentes. 

Meiacanthus kamoharai, uma das espécies de blênios dentes-de-sabre venenosos estudados pelos cientistas; animal é popularmente usado como peixe ornamental, mas seu veneno contêm opióides que atuam de forma semelhante à morfina e à heroína. Foto: Patrick Randall

Segundo Fry, foram encontardos três componentes venenosos. Um deles é um neuropeptídeo que também ocorre no veneno mortal do caracol-de-cone. O segundo é uma lipase semelhante à que é encontrada no veneno do escorpião. O terceiro é um peptídeo opióide, semelhante aos que existem nos mais potentes analgésicos, como a morfina.

Método trabalhoso. A extração do veneno do pequeno peixe, no entanto, não foi tarefa fácil, segundo os pesquisadores. Quando ataca, o Meiacanthus injeta uma minúscula quantidade do veneno, tornando extremamente difícil sua coleta para a análise proteômica.

O método encontrado pelos cientistas para a extração do veneno foi trabalhoso. Eles tiravam os peixes de seus tanques e o provocavam com um cotonete até que eles mordessem a extremidade de algodão. O peixe então era introduzido de volta no tanque e o cotonete era colocado em uma solução que extraía pequena quantidade do veneno. O processo então era repetido à exaustão.

Também participaram do estudo cientistas da Escola de Medicina Tropical de Liverpool (Reino Unido) e da Universidade de Leiden (Holanda).

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