Pelo menos 300 pessoas, familiares, amigos e admiradores, participaram no final da tarde desta terça-feira da cerimônia de adeus ao escritor Jorge Amado, no Cemitério Jardim da Saudade, em Salvador. As pessoas acompanharam o corpo da portaria do cemitério até a ala de cremação, a cerca de 500 metros. A cerimônia foi hoje, mas a cremação do corpo só ocorrerá amanhã. As integrantes da Irmandade da Boa Morte, confraria religiosa fundada há 220 anos por escravas, abriram o cortejo, seguidas por autoridades e amigos. O caixão e os parentes mais próximos seguiram em veículos do cemitério até o local de cremação. O governador César Borges (PFL), o senador José Sarney (PMDB-AP), a governadora Roseana Sarney (PFL-MA), o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL) e demais autoridades seguiram a pé. Passagem - A Irmandade da Boa Morte, com sede na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, é a mais antiga confraria de mulheres negras do País e nos últimos anos cultivou uma relação fraternal com Jorge Amado, que sempre fez tudo para que a entidade não acabasse e preservasse sua cultura de origem africana. Em retribuição as irmãs da Boa Morte dizeram durante o velório, no Palácio da Aclamação, um ritual de passagem, carregando e embalando o caixão funerário acreditando que desta forma o espírito do escritor passaria para outra dimensão de uma forma tranqüila. O ritual emocionou a família do escritor, principalmente a viúva Zélia Gattai. Jorge Amado também foi homenageado pelo candomblé durante o velório. Ele era Obá Alolu, representante civil da corte de Xangô do terreiro de candomblé Axé Opô Afonjá, fundado pela família de Miguel Santana, inspirador do personagem Pedro Arcanjo, do livro A Tenda dos Milagres. O cantor Marcos Santana cantou a música Funeral de um Rei Nagô. Já no cemitério, durante a caminhada, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, que adaptou para o cinema dois livros do escritor, Tenda dos Milagres e Jubiabá, lembrava que Amado deixou para o mundo "não apenas sua obra literária, mas o exemplo de um grande humanista: foi um homem que viveu para o seu povo e soube amá-lo", disse, caminhado ao lado do cineasta baiano Guido Araújo. O escritor João Ubaldo Ribeiro, abalado, não conseguiu falar nada sobre o amigo. "Não tenho o que dizer. Tomei um choque a até agora não passou. Não sei direito o que aconteceu, nem como vim parar aqui", balbuciou. Clarindo Silva amigo do escritor, dono do famoso bar Cantina da Lua, no Pelourinho, queria levar o caixão nas mãos com outros amigos, num determinado ponto do cortejo, mas os familiares não quiserem. Restrito - Apenas um pequeno grupo de amigos entrou na sala de cerimônia do crematório para as despedidas, enquanto a multidão aplaudia do lado de fora. Foram 15 minutos de reflexão e orações silenciosas. Os familiares do escritor permaneceram de mãos dadas durante todo o tempo. Embora a cerimônia de cremação tenha ocorrido hoje, a cremação do corpo será amanhã à tarde. Leis federal e municipal determinam que o corpo deve ficar no cemitério por 24 horas. Depois disso ele é colocado no forno crematório a uma temperatura de 900 graus, durante duas horas para a carbonização. As cinzas serão entregues à família do escritor na quinta-feira para que seja realizado seu desejo: que elas sejam espalhadas no terreno do jardim da casa do Rio Vermelho (onde ele passou os últimos anos de sua vida com a mulher Zélia Gattai) onde está uma mangueira plantada por Amado. Cinema - Há um ano, Guido Araújo, organizador da Jornada Internacional de Cinema de Salvador, prepara edição especial em homenagem a Jorge Amado. A idéia era prestar o tributo em vida. Como o escritor morreu quatro dias antes dos festejos de seus 89 anos e 36 dias antes do início da 28.ª edição da jornada, o festival homenageará o escritor com filmes baseados em sua obra e depoimentos de seus familiares (Zélia Gattai, João Jorge e Paloma, os filhos, o pediatra Joelson e o escritor James Amado, os irmãos). Durante as últimas semanas, Guido e equipe colheram depoimentos de artistas como Sônia Braga, Dorival Caymmi, Nelson Pereira dos Santos, Eliana Pittman e Fernando Sabino para o catálogo Jorge Amado e o Cinema. O ficcionista será homenageado também no último capítulo de Porto dos Milagres. A novela das oito da Globo é inspirada em dois romances do escritor: Mar Morto e Descoberta da América Pelos Turcos. Os autores Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares não sabem ainda de que forma farão a homenagem. "Só vamos pensar nisso mais adiante", disse Linhares. A novela termina em dois meses.
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