A genialidade da arte de Maria Helena Vieira da Silva

MAM exibe mostra de Vieira da Silva (1908-1992), como sempre foi chamada

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Por Agencia Estado
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Em 1956, o historiador Walter Zanini escreveu que o primeiro contato dos olhos com a pintura de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) é "um choque desconcertante" - não importa a distância de tempo, a constatação é precisa. Artista nascida em Portugal, mas que se naturalizou francesa, Vieira da Silva, como sempre foi chamada, teve sua genialidade reconhecida em vida - quando Picasso ainda vivia, a cotação das obras dos dois artistas era das mais altas no mercado mundial (mas dado comercial não é sempre parâmetro confiável e incontestável para definir boa arte, em qualquer época, ainda mais na atual, melhor frisar). O choque desconcertante, por assim dizer, se refere ao que a pintora conseguia fazer em suas telas com o uso de linhas, mosaicos de quadrados e cubos: uma abstração a partir do "desafio de questionar a perspectiva, dispositivo que cria a ilusão da terceira dimensão num veículo que possui apenas duas", como define Nelson Aguilar, curador da mostra Vieira da Silva no Brasil, que será inaugurada nesta quinta, 26, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Mais de cem obras É uma ampla exposição, que ocupa toda a grande sala do museu, com mais de uma centena de obras (quadros, desenhos e gravuras) da artista, enriquecida pela cuidadosa cenografia de Helio Eichbauer. Seu título tem uma dupla referência: ao fato de Vieira da Silva ter vivido no Brasil, no Rio de Janeiro, entre 1940 e 1947 - experiência que se torna eixo fundamental da mostra - e ainda por reunir seus trabalhos agora em São Paulo, sendo muitos deles pertencentes a coleções brasileiras (o que de Vieira da Silva em nossa terra ficou) - mas há também obras de acervos portugueses, muitas delas da Fundação Arapad Szenes-Vieira da Silva, de Lisboa. "O centenário da artista é comemorado no ano que vem, mas aqui no Brasil nos adiantamos", diz Nelson Aguilar, especialista na obra da pintora, principalmente em sua estada no Brasil, tema de seu doutorado - "trabalhei sobre ela entre 1975 e 1985, estive com Vieira da Silva por três vezes", conta o curador. O "grande trunfo" da mostra, que tem trilha sonora escolhida por Henrique Lian, segundo o curador, é o painel de azulejos (em azul e branco) que Maria Helena fez a partir de 1943 para o refeitório da Escola Nacional de Agronomia (Universidade Federal Rural do Rio) - a obra foi removida, está sendo restaurada e será levada pouco a pouco para a sala do MAM até o término da exposição. "Acredito que hoje o importante não é ficar fazendo mostra com obras que todo mundo conhece, mas também promover o restauro de peças", diz o curador. Anos de exílio Antes e depois do exílio - Os anos brasileiros foram de exílio, tempos difíceis para a artista (por várias vezes ela tentou o suicídio). Casada com o pintor húngaro Arpad Szenes (1887-1985), judeu, eles vieram fugidos da guerra (nazismo) que assolava a Europa - Portugal negou asilo a Szenes. Tanto que um dos quadros que abre a exposição se chama História Trágico-Marítima, datado de 1944 - nele um navio, com seus tripulantes parece que está sendo engolido (na composição explodem linhas vermelhas) -, foi escolhido, como diz Aguilar, para pontuar o espírito, para a artista, da chegada do casal ao Brasil. Anos difíceis, mas sempre que se fala em sua morada no País há que citar os amigos que tanto os acolheram: os poetas Murilo Mendes e Cecília Meirelles e o artista Carlos Scliar, entre os mais próximos. Prêmio na Bienal Na entrada da exposição também estão a tela Londres, de 1959, pela qual Vieira da Silva ganhou o grande prêmio internacional da 6.ª Bienal de São Paulo, em 1961 - curioso porque em 1989, na 19ª edição da mostra, um quadro da artista, Biblioteca, foi roubado e até hoje não se tem notícia de seu paradeiro, pelo menos segundo Nelson Aguilar; e fotografias ampliadas que mostram a artista com Szenes, com o Rio de Janeiro ao fundo, e um retrato dela sozinha em seu ateliê (de vestido, sentada, olhando para a câmera, com olhos grandes que indicam uma personalidade forte). Ao longo da exposição há outras ampliações de fotografias que retratam a artista na década de 1940, todas feitas pela famosa Foto Carlos (pertencem ao acervo do Instituto Moreira Salles). Já jovem, Vieira da Silva indicava uma carreira artística prodigiosa. Adentrando na década de 1930, na França, num dos "laboratórios da modernidade", a Escola de Paris, a pintora fazia obras abstratas singulares - no MAM há duas telas dessa época, Ateliê Lisboa, de 1934/35, e Composição, de 1936. Essas duas não são totalmente abstratas, revelam a representação complexa de um espaço, com jogos de elipses e planos que criam um campo enigmático. "Quando cheguei a Paris, havia muitas tendências na pintura, comecei a ver tudo. O abstracionismo foi uma escolha difícil, mas tinha de partir de dentro, devia ser uma escolha racional. Para pintar pensando com a cabeça e fazendo com a mão" afirmou a artista em 1978. A abstração, a partir da figuração, foi seu grande caminho, seus jogos com perspectiva, linhas, quadrados e estruturas modulares em vibração no plano - são característicos de seu repertório fazer composições a partir da representação do tabuleiro de xadrez (outro tema sempre presente é o da biblioteca). Mas é curioso ver que as obras que Vieira da Silva realizou em seu período no Brasil são de forte raiz figurativa (e nelas não fica nada explícita a tristeza de sua vida nos trópicos). "Aqui no Brasil ela usou o álibi do figurativo, senão ia ficar falando sozinha", diz Nelson Aguilar. Vieira da Silva no Brasil. MAM. Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.º, portão 3 do Parque do Ibirapuera, 5085-1300. 3.ª a dom., 10 h às 18 h. R$ 5,50. Até 3/6. Abertura quinta, 26, 19h30

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