Eu estava na terceira série quando uma herdeira chamada Patricia Hearst foi sequestrada na frente de seu apartamento em Berkeley, Califórnia. Os criminosos faziam parte de um grupo revolucionário periférico do qual poucas pessoas tinham ouvido falar, o Exército Simbionês de Libertação (SLA, na sigla em inglês).
No inverno de 1974 e durante os meses seguintes, qualquer pessoa que morasse na região da Baía de São Francisco se viu inundada pela história – cada reviravolta era notícia de primeira página do San Francisco Examiner que aterrissava nas nossas portas. O pai de Hearst era o editor-chefe e presidente do jornal. Sua atenção absoluta ao retorno seguro de sua filha se tornou nossa atenção absoluta também. Pelo menos por um tempo.
Ainda hoje consigo me lembrar dos mínimos detalhes da história como se fizessem parte de uma categoria de um quiz-show: Quem é Steven Weed? O namorado de Hearst na época. O que tem na rua Benvenue 2603? É o endereço do apartamento em Berkeley de onde ela foi levada. Quem é Tania? É o nome de guerra que ela adotou ao anunciar que tinha decidido ingressar no SLA. O que é Hibernia? O banco que ela ajudou o grupo a assaltar.
Quando Hearst finalmente foi presa, depois de cerca de 19 meses com o SLA, seus advogados disseram que ela não poderia ser responsabilizada por suas ações: ela estava agindo por autopreservação, argumentaram eles. Para continuar viva, Hearst teve de fazer coisas que, de outra forma, jamais faria. Ela foi coagida, alegaram, não convertida.
Os jurados de seu julgamento não se convenceram. Eles a consideraram culpada de assalto a banco e uso de arma de fogo durante prática de crime; o juiz a condenou a sete anos de prisão.
“O mundo não estava pronto para considerar as implicações da persuasão das trevas no caso dela”, escreveu Joel E. Dimsdale em seu novo livro, o sombrio, mas fascinante Dark Persuasion: A History of Brainwashing From Pavlov to Social Media [algo como “Persuasão das Trevas: uma história da lavagem cerebral de Pavlov às redes sociais”, em tradução livre]. “Ela ficou marcada, acusada de ser uma herdeira mimada, uma filhinha cheia de privilégios, produto de muita indulgência”.
Em outras palavras, sua defesa contra lavagem cerebral não funcionou.
O termo “lavagem cerebral” data dos anos 1950, quando um jornalista e ex-membro do OSS (Departamento de Serviços Estratégicos, na sigla em inglês) chamado Edward Hunter escreveu um artigo explicando por que, nos últimos dias da Guerra da Coréia, os prisioneiros de guerra americanos desertaram para a Coréia e a China. De acordo com Hunter, os prisioneiros não estavam abraçando nem o inimigo nem seus ideais. Em vez disso, eles tinham sido submetidos ao que os chineses chamavam de xi nao ou “lavagem de cérebro” e, como resultado, perderam qualquer senso de razão. E isso era só o começo, Hunter alertou.
“A lavagem cerebral (...) é a nova e aterrorizante estratégia comunista para dominar o mundo livre destruindo sua mente”, escreveu ele em seu livro subsequente, Brain-Washing in Red China [Lavagem cerebral na China Vermelha]. “Os comunistas da China estão utilizando esta combinação de psicologia aplicada para o mal e evangelismo pervertido” para atacar o mundo livre. A implicação era que a América precisava responder na mesma moeda.
Dimsdale deixa claro que as observações de Hunter – circulando em meio ao Pânico Vermelho – desencadearam uma enxurrada de atividades: pesquisas intensas e muitas vezes antiéticas sobre como a mente humana se comporta sob estresse e como ela pode ser manipulada quando se aproxima de seu ponto de ruptura.
Entre outras coisas, os Estados Unidos começaram a estudar técnicas de interrogatório chinesas e coreanas para criar uma arma eficaz nessa nova guerra psicológica. O governo americano começou a fazer parceria com cientistas e universidades, revela Dimsdale, procurando maneiras de enfrentar a ameaça comunista e “montar uma ofensiva de guerra cerebral”.
A CIA, por sua vez, ofereceu bolsas de estudos a dezenas de universidades nas décadas de 1950 e 1960 para pesquisas focadas em coisas como “a avaliação e o desenvolvimento de qualquer método pelo qual possamos obter informações de uma pessoa contra sua vontade e sem seu conhecimento”.
A CIA financiou estudos sobre técnicas de interrogatório e soros da verdade; lançou programas secretos sob codinomes como Bluebird, Artichoke e MKUltra. Estes conduziram testes com LSD, estudaram o estresse emocional, desenvolveram “gotas de nocaute” para deixar as vítimas inconscientes e pesquisaram como a amnésia poderia ser induzida por concussões e como o isolamento social poderia afetar o comportamento – tudo na tentativa de entender essa ideia de lavagem cerebral.
Dimsdale guia os leitores por tudo isso, animando a jornada com um estilo de escrita claro e enérgico que mostra como a arte da persuasão de anos atrás levou quase inevitavelmente à desinformação, ao cyberbullying e ao comportamento de culto na internet dos dias de hoje. A única decepção é que Dimsdale nos leva à beira desse argumento sem desenvolvê-lo por inteiro. Ele dedica apenas cerca de meia dúzia de páginas às redes sociais e à maneira como elas passaram a coagir a todos nós. Eu gostaria de mais um ou dois capítulos.
Talvez eu esteja tão ansioso por sua análise sobre esses temas por ter falado com muitas pessoas que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro – pessoas que estavam todas convencidas de que estavam fazendo a coisa certa. O presidente Donald Trump usou as redes sociais e comícios cheios de desinformação para convencer uma grande parte do país de que a eleição fora roubada e precisava ser revertida. Se isso não é uma forma de lavagem cerebral, não sei o que é.
“A mídia social passou do tecno-utopismo à manipulação distópica”, escreve Dimsdale na conclusão de seu livro. “Talvez Timothy Leary tenha sido mais preciso do que podia imaginar quando disse que a internet era o novo LSD. Os lavadores de cérebros de amanhã não poderiam deixar de explorar as possibilidades”.
O que me faz imaginar como as coisas poderiam ter se desenrolado de maneira diferente se aquele júri na década de 1970, avaliando as evidências do julgamento de Hearst, tivesse tido acesso a Dark Persuasion de Dimsdale enquanto deliberava. Será que o argumento da lavagem cerebral da equipe de defesa teria encontrado mais força? Ou será que precisaríamos de algo como o subsequente assassinato em massa em Jonestown – que aconteceu apenas dois anos depois do julgamento de Hearst – para mostrar que pessoas sensatas podem ser levadas a fazer coisas que de outra forma jamais fariam?
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*Dina Temple-Raston, ex-correspondente de investigações e segurança nacional da NPR, é correspondente sênior de investigações do Record, um serviço de notícias cibernéticas e de inteligência. Ela é autora de quatro livros, entre eles A Death in Texas: A Story of Race, Murder and a Small Town's Struggle for Redemption. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU.
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