
Com o sucesso da série Adolescência, produção da Netflix, o debate sobre os desafios enfrentados pelos jovens ganhou destaque. A trama narra a história de um adolescente que comete um grave crime e expõe questões sociais e emocionais atuais. Para discutir o papel das famílias, escolas e sociedade na prevenção de comportamentos de risco, conversamos com o psicoterapeuta Leonardo Fraiman.
Por que tantos pais e mães encontram dificuldade em colocar limites nos filhos hoje em dia? Segundo o psicólogo e educador, fatores sociais, culturais e mercadológicos vêm contribuindo para o que ele define como “anomia”: a falta de referenciais claros que orientem a educação das novas gerações. Esse fenômeno, explica, está relacionado a um discurso dominante que rejeita conceitos como regra, limite e hierarquia, enquanto promove o livre-arbítrio e a expressão individual em uma fase onde regras são fundamentais.
“Essa narrativa combina com o mercado de consumo e reforça a ideia de uma vida leve e sem consequências”, afirma. Porém, essa busca por leveza pode ser ilusória e resultar em pais e filhos desamparados. “Saímos de um modelo educacional rígido, que feriu muita gente, e pendemos para o extremo oposto: permissividade excessiva e superproteção”, diz, alertando para o risco de criar crianças que não aprendem a lidar com frustrações.
Segundo Fraiman, “o excesso de permissividade, alimentado por discursos que relativizam dados científicos e promovem falsos especialistas, encontra eco nas redes sociais e nos interesses do mercado. Uma família culpada consome mais. Pais sobrecarregados e angustiados acabam buscando alívio no consumo, o que gera crianças insatisfeitas e adultos exaustos”.
Outro desafio está na confusão entre prazer e felicidade. Fraiman explica que o prazer é imediato, intenso e viciante, enquanto a felicidade é construída ao longo do tempo, de dentro para fora, por meio da prática de valores e virtudes. Muitos pais projetam nos filhos a felicidade que não alcançaram, transformando as crianças em “totens narcisistas”.
Para reverter esse cenário, o psicoterapeuta propõe resgatar dez pilares fundamentais na educação: lei, regra, limite, horário, hierarquia, valores, combinados, contratos, ordem e sistematização. Ele também defende que os pais aceitem sua humanidade e imperfeição.
“Toda pessoa de sucesso que conheço teve uma mãe chata”, brinca, ressaltando que impor limites prepara as crianças para os desafios da vida real.
A desconexão entre pais e filhos também é agravada pelo excesso de tempo na tela e pela falta de convivência familiar. “Temos pais exaustos, que chegam em casa sem energia para oferecer qualidade de atenção”, afirma . Atividades simples, como tarefas cotidianas, podem fortalecer os laços familiares e criar momentos de diálogo. “Celular e tablet pertencem aos pais. Se usados de forma inadequada, precisam ser retirados”, orienta.
Além disso, comportamentos como racismo, misoginia e violência precisam ser tratados com tolerância zero.
Outro ponto é a carência do adulto atual, que superprotege o filho tentando transformá-lo em seu melhor amigo. “A falta de sentido na própria vida faz o adulto se projetar na criança“, diz. Além disso, ele explica, existe uma confusão sobre o que é felicidade, e a narrativa que desresponsabiliza os pais de fazerem o certo. “A criança é entregue a si mesma, sem regras que a fariam crescer socialmente. São filhos órfãos de pais vivos”.
Entretanto, a responsabilidade pelos os jovens não deve recair apenas sobre pais e escolas. “Empresas, universidades e meios de comunicação também precisam criar ambientes acolhedores e incentivar a empatia”, afirma. “Como diz o ditado africano, é preciso uma aldeia para formar um ser humano“, diz Fraiman.
Ele conclui destacando que a felicidade surge quando contribuímos para um mundo mais feliz. “Educar é trabalhoso, mas também é a maior oportunidade de construir um futuro melhor para as próximas gerações.”