Análise: Maravilhas da escrita sinfônica do século 20 na Sala São Paulo

O momento mais eletrizante foi L'ascension', de Olivier Messiaen

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Por João Marcos Coelho

Como pode um compositor que provou sua excelência no passado tornar-se tão insignificante?, perguntava uma crítica não assinada no New York Times após um concerto de Paul Hindemith (1895-1963) em 1939. Ora, o “enfant terrible” da vanguarda da década de 20 já não existia. 

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O Hindemith dos anos 30 em diante preocupou-se basicamente em fazer a música retornar à sua condição histórica fundamental: utilitária, funcional. “O compositor deve habituar-se com seus novos deveres; o excesso de piruetas técnicas deve ser eliminado.” Exemplo? A Trauermusik, interpretada por Peter Pás, viola da Osesp, no concerto de quinta, dia 30, da Osesp na Sala São Paulo. 

A peça de 6 minutos foi composta em 6 horas, quando ele soube da morte do rei George V na antevéspera do concerto que faria em Londres, em 1935. Tornou-se famosa por esse detalhe, mas indica alternativa interessante para a criação musical no século 20 que foi jogada no lixo pelas vanguardas. Hindemith, coitado, não consegue nem ser “compositor transversal” na Osesp. Mesmo com obras sinfônicas importantes. Afinal, o ótimo Pás poderia solar a quinta Música de Câmara, de 1927, ou mesmo a Música de Concerto para Viola e Grande Orquestra, de 1930. 

As três peças mais consistentes da noite construíram um painel da orquestração sinfônica no século 20. Curiosamente, todas, apesar das modernidades, acessíveis aos ouvidos que Hindemith queria atingir. 

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O momento mais eletrizante dessa aula foi L’Ascension, de Olivier Messiaen, escrita em 1933, quando ele estava com 25 anos. A regência de Arvo Volmer ajudou não só os músicos a se conduzirem por essa música densamente construída como fez os olhos do público se fixarem nos naipes destacados em cada uma das quatro partes da obra. 

Na primeira, A majestade de Cristo Exigindo Sua Glória ao Pai, os metais entoam um coral, sustentados pelas madeiras; na segunda, invertem-se os papéis: as madeiras são sustentadas pelas trompas, trompete e cordas. 

A terceira, Aleluia, única em que atua a orquestra completa, antecede o comovente final Oração de Cristo Ascendendo em Direção a Seu Pai, tecida apenas com as cordas, assim descrita pelo próprio compositor num comentário não assinado em Le Monde Musical duas semanas após a estreia: “É o clímax emotivo. Feito de uma frase serena, estática e sensível nas cordas se eleva, plana, cada vez mais alto, e se suspende num acordo muito simples de sexta sensível que parece não ter fim”. A sensação, rara, é mesmo de elevação.

La Mer, a profissão de fé composicional de Debussy, escrita no início do século, entre 1903 e 1905, realiza o que já prometia o Prelúdio à Tarde de Um Fauno, de 1894. Consolida um novo modo de se fazer música, abandonando esquemas clássicos e românticos, entregando-se ao puro prazer de brincar ludicamente com a luxúria dos timbres sinfônicos. A primeira parte, por exemplo, Da Alvorada ao Meio-Dia no Mar, é uma forma aberta, não tem repetições nem unidade temática.

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Nesse contexto, Villa-Lobos não faz feio. Está em patamar, senão igual, muito próximo ao de Debussy e Messiaen (até porque formou sua cabeça criativa a partir da música francesa). Em Uirapuru brilham as faíscas inesperadas tão características de seu modo de brincar com a orquestra.

Num repertório tão desafiador, Arvo Volmer saiu-se muito bem. Sua regência deu atenção aos detalhes, fundamentais nesse tipo de obras, mas também levou em conta a arquitetura de cada uma delas. Sobretudo em Messiaen, a performance que mais perto chegou da perfeição. Nisso, claro, foi decisivamente coadjuvado por uma Osesp atenta, precisa e afinada.

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