Um leitor questionou o título de minha última crônica. Animais, escreve, não são bichos. O menino Toninho falava com bichos, pois animais são parte da dicotomia irrevogável entre natureza e cultura (o dado e o construído).
Os animais são seres da natureza; mas, nos contos de fada, nos mitos e o Toninho - o menino que aprendeu gatês, cachorrês e aranhês -, a cultura ousadamente envolve a natureza. E os animais, assim humanizados, viram “bichos”.
O bicho é um animal na superfície, mas, na realidade dos mitos e das fábulas, ele é um personagem. Por quê? Basta ouvir o menino: os animais se comunicam, mas os bichos ensinam, metem medo ou despertam compaixão e respeito.
Em 1999, Elena Soárez e eu escrevemos o livro Águias, Burros e Borboletas: um Estudo Antropológico do Jogo do Bicho - no qual essa distinção era básica para o entendimento do jogo mais popular do Brasil, o do bicho.
De fato, se os animais estão presos numa suposta semipassividade, os bichos são ativos e, como revela o jogo do bicho, podem nos tornar menos pobres. Nele, os bichos mandam mensagem por meio de sonhos, acasos, por meio de um sistema de palpites.
Animais por nós simbolicamente canibalizados surgem - como diz o antropólogo Marshall Sahlins - como “metapessoas”, ocupando espaços encantados, tal como os personagens criados por Walt Disney, os quais dramatizam vidas e mundos paralelos...
Um animal que surge num sonho falando conosco está oferecendo uma chance, de nele “acertar”, como diz a linguagem de caçada do jogo do bicho. Como bichos, eles têm “pontos de vista” e subjetividade, conforme aprendi com Eduardo Viveiros de Castro e seus alunos.
Assim, o Tom e o Jerry, bem como os “bichos” do nosso jogo do bicho, têm gostos, jeitos e truques - todos esses traços que nos tornam humanos.
Quando um animal vira bicho, eles ganham agenciamento - viram sujeitos. Tal é o caso dos 25 bichos do jogo do bicho que nos ajudam a renovar o sonho de viver num mundo menos miserável.
Para tanto, é preciso aprender a “ver” animais como nós, o bicho-humano.
Agora, caro leitor, se você não concorda, chame o seu chefe ou candidato de animal ou de bicho...
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